25 maio 2015

octavio paz / amor e erotismo



POESIA


Aquilo que o poema nos mostra não o vemos com os nossos olhos de carne mas com os do espírito.

Os sentidos são e não são deste mundo.
Por eles, a poesia traça uma ponte entre o ver e o crer.
Por essa ponte a imaginação adquire corpo e os corpos tornam-se imagens.

A poesia erotiza a linguagem e o mundo porque ela mesma é já erotismo.

Religião e poesia vivem em contínua osmose.



EROTISMO

O erotismo é uma poética corporal e a poesia é uma erótica verbal.

O erotismo não é mera sexualidade animal: é cerimónia, representação, sexualidade transformada: metáfora.

Sexo, erotismo e amor são aspectos do mesmo fenómeno, manifestações daquilo a que chamamos vida.
O mais antigo dos três, o amplo e básico, é o sexo. O sexo é o centro e o fulcro desta geometria passional.

O erotismo é exclusivamente humano.

O erotismo é invenção, variação, incessante; o sexo é sempre o mesmo.

Dupla face do erotismo: fascinação diante da vida e diante da morte.

O erotismo é, antes de tudo e sobretudo, sede de ser outro. E o sobrenatural é radical e supremo ser-se outro.

O sentido religioso de um poema como o Cântico dos Cânticos não pode separar-se do seu sentido erótico profano:
são dois aspectos da mesma realidade. Nos místicos sufis é frequente a confluência da visão religiosa com a erótica.
A comunhão é comparada às vezes com um festim ente dois amantes no qual o vinho corre com abundância.
Ebriedade divina, êxtase erótico.


   
AMOR

A transgressão, o castigo e a redenção são elementos constitutivos da concepção ocidental do amor.

O amor é uma atracção para uma única pessoa: para um corpo e uma alma. O amor é escolha; o erotismo, aceitação.
Sem erotismo, não há amor, mas o amor atravessa o corpo desejado e busca a alma no corpo e, na alma, o corpo.
A pessoa inteira.

A ideia de encontro entre dois amantes exige dois condições contraditórias: predestinação e escolha.

O sexo é a raiz, o erotismo é o caule e o amor a flor.
E o fruto? Os frutos do amor são intangíveis. Este é um dos seus enigmas.

O amor é um nó no qual se atam, indissoluvelmente, o destino e a liberdade.

No amor aparece o mal: é uma sedução mórbida que nos atrai e nos vence.

Há muitos anos escrevi: o amor é um sacrifício sem virtude;
hoje eu diria: o amor é uma aposta, insensata, pela liberdade. Não a minha, a alheia.



octavio paz
a chama dupla: amor e erotismo
trad. josé bento
assírio & alvim
1995






2 comentários:

Vento disse...

belissimo, Gil.

Vasco disse...

que subtileza nas distinções que, pela sua sedução, deixam-nos incapazes de discordar...