1
Uma pausa, não de plumas, mas elástica,
que demorasse em si a paz ardente
e o ardor profundo de uma alta instância.
Que fosse o esquecimento na folhagem
e a espessa transparência da matéria.
O pulso pronunciaria a amplitude
do instante inocente. A obra
acender-se-ia
na inteligência dos signos mais aéreos.
2
A inadvertência pode ser um prelúdio
carnal
na volúvel leitura de quem adormeceu.
O sono dá ao sangue o ócio e as cores do
enxofre.
Por uma forma ausente a matéria
ramifica-se
na insolência branda de umas ruínas
perfeitas.
Um aroma rebenta da axila negra de um animal
de vidro.
Como um veleiro de fogo uma cabeleira
ondula.
A garganta do mar atira os seus pássaros de
espuma.
Uma rapariga de pedra caminha entre os
arbustos de fogo.
É a abundância da origem e o seu orvalho
azul.
São as armas vegetais sobre as janelas da
terra.
É a frescura do vidro nas cintilantes
sílabas.
3
Na justa monotonia do meio-dia
oiço o prodígio do repouso e a paixão
adormecida.
O concêntrico sopro imobiliza-se. É uma
lâmpada
de pedra fulgurante. Tudo é nítido mas
ausente.
O mundo todo cabe no olvido e o olvido é
transparência
de um denso torso que a nostalgia acende.
No silêncio sinto numa só cadência
a vociferação e o tumulto das pálpebras e dos
astros.
Pelas veias o fogo da cal é branco e liso
e a mais remota substância culmina num rumor
redondo.
antónio
ramos rosa
a rosa
esquerda
1991