A Louis Aragon
«Pouco antes da meia-noite perto do cais.
«Se uma mulher desgrenhada te seguir não te importes.
«É o azul. Nada deves temer do azul.
«Haverá grandes rendas de seda numa árvore.
«O campanário da aldeia de cores esbatidas
«Vai servir-te de ponto de referência. Aproveita a ocasião,
«Não esqueças. O geyser escuro que lança contra o céu rebentos de feto
«Saúda-te.»
A carta lacrada com três peixes
Passava agora na luz dos subúrbios
Como um cartaz de domador.
De resto
A bela, a vítima, aquela a quem chamavam
No bairro a pequena pirâmide de resedá
Descosia só para si uma nuvem tal qual
Um saquitel de piedade.
Mais tarde a armadura branca
Que se ocupava entre outros dos trabalhos domésticos
Cada vez mais à vontade agarrava com força
O menino da concha, aquele que ia ser...
Mas silêncio. Um braseiro já dava ensejo
No seu seio a um arrebatador romance de capa
E espada.
Sobre a ponte, à mesma hora,
Assim a cabeça de gata do orvalho baloiçava.
A noite, - e as ilusões estariam perdidas.
Eis os frades brancos que voltam das vésperas
Com uma grande chave por cima da cabeça.
Eis os arautos pardos; eis por fim a carta
Ou os lábios: meu coração é um cuco de Deus.
Mas enquanto ela fala, só fica uma parede
A bater contra um túmulo como uma vela mestra.
A eternidade procura um relógio de pulso.
Pouco antes da meia-noite perto do cais.
andre breton
clair de terre, 1923
poemas
trad. de ernesto sampaio
assírio & alvim
1994
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