11 setembro 2012
czeslaw milosz / ars poetica
Sempre aspirei por uma forma mais ampla,
que não fosse poesia nem prosa em demasia
e permitisse a compreensão, sem expor ninguém,
nem autor nem leitor, a grandes tormentos.
Em sua essência, a poesia é algo horrível:
nasce de nós uma coisa que não sabíamos que está dentro de nós,
e piscamos os olhos como se atrás de nós tivesse saltado um tigre,
e tivesse parado na luz, batendo a cauda sobre os quadris."
(...)
czeslaw milosz
a rosa do mundo 2001 poemas para
o futuro
tradução de aleksandar jovanovic
assírio & alvim
2001
10 setembro 2012
roberto juarroz / a densidade do que não é
A
densidade do que não é,
a força do que não se tem,
amontoa a água da vida
e cria um rumor de fundo
para todos os gestos.
Até o tecido preto da morte
tem um pálido fio
onde a trama cede e se aligeira
porque lhe falta morte.
E até o que nunca viveu
e nunca morrerá
ergue-se na greta de uma ausência
que lhe empresta seu corpo.
A pedra do não ser,
a certeira condição negativa,
a pressão do nada,
é o último apoio que nos resta.
roberto juarroz
a rosa do mundo 2001 poemas para
o futuro
tradução de josé bento
assírio & alvim
2001
a propósito de violência
Somos todos contra a violência (eu sou contra a violência). Mas mesmo um pacifista, quando lhe arremessam com uma bomba, só tem duas hipóteses: ou a devolve ao agressor, ou abraça-a e morre com ela.
Eu sou pacifista, mas não a esse ponto.
08 setembro 2012
07 setembro 2012
yusuf al-saigh / poema
quando regresso a casa, cada tarde,
a minha tristeza sai da alcova dela,
com a sua capa,
e começa a seguir-me:
se caminho, caminha,
se me sento, senta-se,
se choro, chora com o meu pranto
até à meia-noite. e nos cansamos.
então, vejo que a minha tristeza
entra na cozinha, abre a porta da geleira
tira um pedaço escuro de carne
e prepara-me o jantar.
yusuf al-saigh
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de adalberto alves
assírio & alvim
2001
06 setembro 2012
günther eich / confiança
Em Salónica conheço alguém que não lê.
E em Bad Nauheim.
Já são dois.
günther eich
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de joão barrento
assírio & alvim
2001
05 setembro 2012
miguel serras pereira / remo de água
(Valada do Ribatejo)
Voltará o verão à terra
larga
e a carne à noite branca
do começo
mas tu não voltarás e não
passaste
e aconteces para sempre
sempre que aconteces
Atravessas um remo de água
submerso
na água que inunda ao alto
o meu olhar
E é então que o tempo passa
e ao passar se esquece
de me levar consigo ou te
deixar ficar
miguel serras pereira
trinta embarcações para
regressar devagar
relógio d´água
1993
04 setembro 2012
anónimo japão / nem uma palavra
Nem uma palavra trocaram entre si
o anfitrião o hóspede
e o crisântemo branco
anónimo, japão
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de jorge sousa braga
assírio & alvim
2001
03 setembro 2012
henri michaux / leitura
Os livros são
chatos de ler. Não há neles livre circulação. Somos convidados a seguir. O
caminho está traçado, único.
Muito
diferente é o quadro: imediato, total. À esquerda, também à direita, em
profundidade, sem peias.
Nele não há
um trajecto, há mil trajectos, e as pausas não são indicadas. Mal a gente o
deseje, de novo o quadro todo, por inteiro. Num instante está ali tudo. Tudo,
mas nada ainda é conhecido. É aqui que se deve começar a LER.
1950
henri michaux
o retiro pelo risco
tradução
júlio henriques
fenda
1999
01 setembro 2012
caio resende / evoé
Nada está perdido! O azul
do sol
nasce para dizermos
"o azul do céu"
– tudo se debruça aos
olhos!
Numa orgia de vida
a morte é uma invenção
barata,
e só morre quem vive de
olhar para ela.
A aranha fia a sua teia
para a mosca debater-se
inútil,
no entanto não existe a
morte
duma mosca a debater-se.
Toma teu vinho, fecha teus
olhos
estar vivo é embebedar-se
de tudo!
caio resende
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