28 setembro 2023

wislawa szymborska / sorrisos

 
                                                              
 
Mais alma põe o mundo em ver do que em ouvir.
Os homens de estado têm que sorrir.
Sorrir é sinal de que mantêm a calma.
Seja o jogo ínvio, os interesses outros,
incerto o final, é sempre um consolo
ver a dentadura branca e cordial.
 
Têm que gentis mostrar os seus rostos,
nas salas de encontro, lajes de aeroportos.
Moverem-se lestos, parecerem felizes.
Este acolhe aquele, diz adeus ao outro.
Uma cara risonha é sempre precisa
para o ajuntamento, para a objectiva.
 
Os dentistas, tratando os diplomatas,
são o garante de triunfos espantosos.
Caninos fidedignos, condignos incisivos,
não podem faltar nos transes perigosos.
Os tempos não vão ainda de feição
a que se possa ver nas faces uma simples tristeza.
 
Pensa quem sonha, que a humanidade fraterna de certeza
há-de mudar o mundo na terra dos sorrisos.
Eu cá duvido e, sejamos mais precisos, os estadistas
não deviam rir-se assim e dar tanto nas vistas.
Só às vezes: é primavera, é outono,
sem crispações nem urgência escusada.
É triste por sua natureza o ser humano.
A minha esperança é vê-la um dia revelada.
 
 
 
wislawa szymborska
paisagem com grão de areia
trad. júlio sousa gomes
relógio d’água
1998
 




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