Entre a vida teórica e a vida prática há um abismo,
sobre o qual alguns, mais individuais, não sociais são ponte.
Manda quem quer, servo de pensamentos dispersos,
anónimos, que por tais não são pensamentos.
Deixemos a acção àqueles que pensam pela cabeça
alheia, pois que existem só para agir. Recolhamo-nos ao jogo alado, fútil até,
das teorias, desiludidos de qualquer possibilidade de podermos agir sobre os
outros, de sermos mais na vida que forasteiros.
Desdenhadores de todos os ideais, sobretudo dos que
buscam a felicidade na terra para os outros — pois a felicidade não pode ser
ideal senão para nós — vivamos separados, como os outros iniciados, os da alma
(para além da inteligência), que nada, também, querem ou esperam da vida. Assim
o visionista seguirá a par do adepto, entre as minas do templo de Salomão, e
por aquele plaino próximo onde, um tempo, o Mestre esteve sepulto.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.I
presença
1990
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