Como Diógenes a Alexandre, só pedi à vida que me
não tirasse o sol. Tive desejos, mas foi-me negada a razão de tê-los. O que
achei mais valeria tê-lo realmente achado. O sonho (...)
Hesito em tudo, muitas vezes sem saber porquê. Que
de vezes busco uma linha recta que me é própria, concebendo-a mentalmente como
a linha recta ideal, a distância menos curta entre dois pontos. Nunca tive a
arte de estar vivo activamente. Errei sempre os gestos que ninguém erra; o que
os outros nasceram para fazer, esforcei-me sempre para não deixar de fazer.
Desejo sempre conseguir o que os outros conseguiram quase sem o desejar. Entre
mim e a vida houve sempre vidros foscos: não soube deles pela vista, nem pelo
tacto; nem a vivi essa vida ou esse plano, fui o devaneio do que quis ser, o
meu sonho começou na minha vontade, o meu propósito foi sempre a primeira
ficção do que nunca fui.
Nunca soube se era de mais a minha sensibilidade
para a minha inteligência ou a minha inteligência para a minha sensibilidade.
Tardei sempre, não sei a qual, talvez a ambas, a uma a outra, ou foi a terceira
que tardou.
s.d.
fernando
pessoa
livro do
desassossego por bernardo soares. vol.I
ática
1982
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