28 junho 2018

ruy belo / versos que vou escrevendo



Mas como pode ser inverno aqui na praia
perplexa perguntaste-me ó criança ainda vinda
não sei ao certo donde mas decerto não da vida
A praia que no verão tu conheceste
é calma é cor branca é céu azul é asa de ave
é tudo o que me falta agora porque então o tive
e ao ter alguma coisa só a tenho por correr o risco de a perder
Sou pato puro espaço para o sol que me soletra
um sol de inverno visto nalgum pátio das papoas
depois de ter papado algum almoço ao joão miguel
no requintado restaurante nau dos corvos
onde apesar de não haver éramos três
bebido o vinho todo de uma das garrafas
nos deixaram pagar as garrafas vazias que trouxemos
com o rótulo impresso desse caro restaurante
vizinho dessa nau aonde os desprendidos corvos
levantam voo do mais sólido aeroporto assim fazendo
um reclame tremendo desse mesmo restaurante
E cá vou eu escrevendo os meus ligeiros versos só durante
a ida a pé do joão miguel e da maria teresa
ao morro aonde deve ser romântico morrer
Mas eu fico no carro a escrever e a ler o jornal
como o fernandez prida quando o conheci
e convidei a ouvir ingenuamente certos discos
comprados pouco antes em andorra
E já de volta os dois e o jornal por ler
e os versos por escrever que grande porra
Ao longe um barco quase choca co’ a berlenga grande
a ilha onde tu criança do início tu que em vez de laranjeiras
sempre falas das árvores aonde principiam as laranjas
que vês sempre figuras se vês fumo por exemplo algum domingo
e aves nos papéis queimados que levantam voo
tu que dessas berlengas dizes ter gostado
dos barcos e dos goivos e das grutas
e eu rio porque até não querem lá saber as putas aprecio
e só não aprecio nenhum dos seus filhos
e menos aprecio quanto mais o são
eu cá dentro do carro enquanto não
chegam os dois consigo ler que no aniversário
de um certo jornal ao certo não sei qual
mandaram parabéns entre outros vários
nomes por certo muito conhecidos
a escritora agustina e a jornalista albertina
cujo nome termina pêlos mesmos apelidos mas não decerto
uma pessoa só porquanto a lista é bastante vasta
E leio ainda mais pois leio que também consta da lista
um tal Carlos almeida pugilista
útil por certo se um dia qualquer houver
algum problema sério a resolver
entre não sei talvez tipógrafos e administradores
Ao fim da lista vem a casa de repouso da enfermagem portuguesa
e outras profissões auxiliares de medicina
para já não falar está bem de ver desse museu de ovar
Deixo o jornal porque voltou a juventude
e por aqui me fico que mais querem fiz aquilo que pude
diverti-me a valer como naquele então
em que era novo e tinha inspiração e não
faltava como agora no meu céu a ave
mia soave edd’ora addio ó ângelo de lima
criança grande que por grande embora louca ninguém estima





ruy belo
nau dos corvos
todos os poemas II
assírio & alvim
2004







Sem comentários: