11 outubro 2017

james wright / contra o surrealismo




Há alguns ínfimos detalhes óbvios na vida humana que sobrevivem ao propósito divino de aborrecer os idiotas até à morte. Em França, bem lá ao Sul, em Avallon, as pessoas gostam de bolos. Os pasteleiros locais amassam um pouco de farinha e chocolate com a forma de um pinguim. Nós voltámos várias vezes a uma certa montra para admirar um bando deles. Mas nunca comprámos nenhum.

Demos por nós a vaguear em Itália, com saudades dos pinguins.

Depois um fogo terrível e selvagem dos dias de canícula rugiu sobre o décimo quarto arrondissement: quer dizer, em Agosto: e três pinguins de chocolate apareceram atrás de uma montra, perto da Place Denfert-Rochereau. Tivemos medo que os parisienses os reconhecessem, por isso comprámo-los todos e esgueirámo-nos com eles para casa, disfarçados.

Pusemo-los numa mesinha acima de metade dos telhados de Paris. Eu fui espanejar uma ínfima, óbvia, partícula de pó na ponta de um bico. De repente o pó caiu uma polegada e ficou a baloiçar. Depois trepou de novo para o bico.

Era uma aranha azul.

Se eu fosse uma aranha azul, certamente apanharia um comboio de Avallon até Paris e montaria casa no nariz de um pinguim de chocolate. É só uma questão de senso comum.





james wright 
a rosa do mundo 2001 poemas para o futuro
tradução de josé alberto oliveira
assírio & alvim
2001






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