II
Não sei como dizer-te que
minha voz te procura
e a atenção começa a florir,
quando sucede a noite
esplêndida e vasta.
Não sei o que dizer, quando
longamente teus pulsos
se enchem de um brilho
precioso
e estremeces como um
pensamento chegado. Quando,
iniciado o campo, o centeio
imaturo ondula tocado
pelo pressentir de um tempo
distante,
e na terra crescida os
homens entoam a vindima
— eu não sei como dizer-te
que cem ideias,
dentro de mim, te procuram.
Quando as folhas da
melancolia arrefecem com astros
ao lado do espaço
e o coração é uma semente
inventada
em seu escuro fundo e em seu
turbilhão de um dia,
tu arrebatas os caminhos da
minha solidão
como se toda a casa ardesse
pousada na noite.
— E então não sei o que
dizer
junto à taça de pedra do teu
tão jovem silêncio.
Quando as crianças acordam
nas luas espantadas
que às vezes se despenham no
meio do tempo
— não sei como dizer-te que
a pureza,
dentro de mim, te procura.
Durante a primavera inteira
aprendo
os trevos, a água
sobrenatural, o leve e abstracto
correr do espaço —
e penso que vou dizer algo
cheio de razão,
mas quando a sombra cai da
curva sôfrega
dos meus lábios, sinto que
me faltam
um girassol, uma pedra, uma
ave — qualquer
coisa extraordinária.
Porque não sei como dizer-te
sem milagres
que dentro de mim é o sol, o
fruto,
a criança, a água, o deus, o
leite, a mãe,
o amor,
que te procuram.
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996
2 comentários:
Muito bonito.
Extraordinariamente maravilhoso!!!
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