nada de ser perfeito,
medir as coisas pela fita métrica
e dizer te amo demais. a maresia,
o ritmo bastam para solucionar
estes desencontros habituais dos lábios.
ninguém precisa amar um estofado
cuja cor nos obriga a alegria.
é insuportável que a louça esteja
sempre limpa e guardada no armário.
pela manhã é bom que a xícara
tenha um café seco em seu fundo
onde se enxerga um mapa-múndi das
brigas desde o início de nossa relação.
sim, viver é insuportável se não houver
ao menos uma chuva que destrua parte
da casa ou deixe uma estrada de barro
pela sala de estar. outra coisa misteriosa
é como gritar sem que ninguém perceba,
sofrer por alguma desconfiança tola
e sorrir escondido quando o destino
nos mostra que a imaginação humana
não passa de um alçapão bem elaborado.
como investigar uma beleza de bruços?
seduzir com algum filtro secreto
estando com um pijama rasgado?
e conciliar a aliança com essa vontade
insaciável de despir outras pessoas?
em algum momento avançado da velhice
talvez os orgãos parem de funcionar
e uma ereção torne—se um evento glorioso,
quem sabe? morrer antes não é má ideia
se colocarmos o abandono como única possibilidade.
nenhum asilo com cerca cor de rosa
conseguiu me convencer que o corpo pode
esperar o fim depois da poesia.
mas não é curioso como o amor
nos conduz envolventemente
por uma linha temporal inventando
imagens de morte,
esquecimento e abandono?
a cor, neste caso, é velocidade.
o botão da camisa, um pretexto,
a gema mole, um desgosto,
o cachorro, um dilema,
o sexo, um hábito.
por que este capítulo de ventos
ainda é surpreendente?
já não basta de poemas, literatura,
psicologia e traição?
por que os olhos ainda brilham depois
de tantos anos secando lentamente
e as roupas no varal sendo molhadas
por deus quem as esqueceu novamente?
vai longe o balão
tocar o teto de uma nuvem.
é sempre assim.
augusto meneghin
euOnça
ano_um_volume_um
editora medita
2013
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