23 setembro 2013

wallace stevens / da poesia moderna



O poema da mente no acto de chegar
Ao que é bastante. Nem sempre lá teve
De chegar: a cena estava montada; dizia uma vez mais
O que estava no papel.
                                 Depois o teatro mudou,
Fez-se outra coisa. O passado ficou como uma lembrança.
Tem de estar vivo, de aprender a linguagem do lugar.
Tem de encarar os homens presentes e encarar
As mulheres presentes. Tem de pensar acerca da guerra
E tem de chegar ao que é bastante. Tem
De construir um novo palco. Tem de instalar nele
E, como actor insaciável, lenta e
Meditadamente, proferir palavras que entram no ouvido,
No delicadíssimo ouvido da mente, exactamente
Com o que ele quer ouvir, palavras cujos sons,
Escutados por um público invisível
Atento não à peça mas a si mesmo,
Se manifestam como uma emoção de duas pessoas, como
Em duas emoções que se tornam uma. O actor é
Um metafísico nas trevas, dedilhando a corda
Dum instrumento, a metálica corda que produz
Sons que atravessam súbitos alinhamentos perfeitos,
Todos contendo em si a mente, abaixo dos quais
Ela não pode descer, além dos quais não quer subir.
                                                                         Tem de
Ser esse chegar a uma satisfação, seja a de
Um homem patinando, uma mulher dançando, uma mulher
Penteando-se. O poema do acto da mente




wallace stevens
trad. de alberto pimenta e
maria irene ramalho de sousa santos
as escadas não têm degraus 3
livros cotovia
março 1990




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