5 de Março de 1995
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Sandra,
Meu Deus, agora o amor está sujo.
Numa bacia. Sujo, como é possível? Não penses que é uma pergunta, é antes uma
não-pergunta, ou o espanto antes da pergunta, o puro lugar do in-compreender. Uma
morte,
que voz a traz,
a aproxima de nós e nos enxovalha
o olhar?
Que o sólido existe, existe, como a natureza vegetal existe. Basta olhar
como se decompõe o madeiro da árvore.
Que o líquido existe, existe, como a natureza animal existe. Basta ver
como se liquefaz um corpo.
Mas não será preciso, meu amor, tornar mais
inteligível, mais percuciente, mais feroz, em suma, mais irradiante, a natureza
evanescente, real e vaporosa, das figuras
que sempre fomos,
esses animais magníficos de uivo
vibrante,
em vias de extinção?
Com os olhos, a rapariga que saiu do texto
(«Não sintas ciúmes! Não há nada disso entre nós!») diz-me que sim, mas com a
boca pronuncia:
─ Que coisa incompreensível termos vivido
com um nome próprio.
maria gabriela llansol
inquérito às quatro confidências
relógio d´água
1996
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