A noite chegou até ele sem bater à porta;
devagar, instalou-se no sofá da sala, escureceu
os cantos, roubou a luz às lâmpadas. E
não abriu a boca: enquanto ele, sem nada
compreender, a empurrava para longe de si,
tentava abrir as janelas, acendia velas,
que ela soprava por trás. A noite chega,
assim, afirmando a sua presença. Não dá
descanso, a não ser que a aceitem como ela é:
mas não é fácil tê-la dentro de casa, nem conviver
com os seus gestos de treva. Talvez se possa,
apenas, murmurar esse nome que ela nos
roubou, um dia, e que só agora se nos torna
necessário lembrar; ou invocar uma protecção
ilusória, a deusa diurna, de cabelos iluminados
pelo ouro primaveril. Tudo inútil – e como ela
se ri!, a noite branca que o obriga a manter
os olhos abertos, fixando o último fio de luz,
como se também a sua vida escorresse por aí…
nuno júdice
a fonte da vida
quetzal
1997