ROUXINOL, rouxinol,
Que temos um com o outro, rouxinol?
Um velho conflito, um caso muito antigo,
Rouxinol.
Uma história do tempo em que tu aparecias
Por entre as coisas demasiado belas.
E quem não ousava, rouxinol,
Quem não ousava acreditar nelas,
Em certas noites,
Em certos fins-de-dia?
Quem não ousava acreditar nelas,
Ao ouvir o teu canto que provoca a felicidade,
Que se arremessa contra o peso
E paredes derruba a caminho da alegria?
Rouxinol das noites, rouxinol
Dos fins-de –dia – e a lua
Recordas-te? entre as pedras
E a planície e tu,
O que tu nos dizias, rouxinol,
O que tu prometias,
Quando na estrada o ruído das patrulhas nazis
Não estava longe todavia.
Rouxinol, o teu canto, meu belo artista,
[rouxinol,
O teu canto que faz vogar o espaço em
[em
direcção ao tempo
Que já se não teme, em direcção ao tempo
Em que se enlaça o que mais se deseja,
Rouxinol, rouxinol, também a alegria
nos faz soluçar. E a lua lá está. No alto,
[a espiar,
A ver quando passam as patrulhas inimigas,
Enquanto continuas a cantar.
Que temos um com o outro,
Rouxinol?
Solucionado o velho conflito,
Voltei a fazer-te meu aliado.
Se tanto te evoco, rouxinol,
Se tu regressas como um remorso,
Se o teu canto, onda azul e amarela,
Tanto de mim exige,
Não será, rouxinol,
Por causa das noites e dos fins-de-dia,
Não será também
Por causa dos canhões,
Dos que continuam a cuspir metralha
Ou daqueles que apenas estão à espera?
Não será pelo facto de o teu canto
Poder vir a ser coberto,
Rouxinol, meu velho,
Pelo ruído das bombas
E pelo ruído alucinado do incêndio ateado
Através das herdades?
Rouxinol, o teu canto,
Recorda-te, meu velho,
Quando ela aí estava, tremendo também,
Por causa de ti, por causa de mim.
Rouxinol, o teu canto,
É dele agora que precisamos.
guillevic
poesias de guillevic
tradução de david mourão-ferreira
editora ulisseia
1965