Podia ser a névoa habitual da noite, os charcos
cintilantes, o luar trazido por um golpe d evento às trincheiras da Flandres,
mas não era. Quando acordou mais tarde num hospital da rectaguarda,
ensinaram-no a respirar de novo. Lentas infiltrações de oxigénio num granito
poroso, durante anos e anos, até à imobilidade pulmonar das estátuas.
Hoje, um dos seus filhos sobe ao terraço mais
obscuro da cidade em que vive e olha o passado com rancor. O sangue bate, gota
a gota, na pedra hereditária dos brônquios e ele sabe que é o mar contra os
rochedos, a pulsação difícil das algas ou dos soldados mortos nessa noite da
Flandres.
As imagens latentes, penso eu, porque sou o homem
na armadilha do terraço difuso, entrego-as às palavras como se entrega um filme
aos sais de prata. Quer dizer: numa pura suspensão de cristais, revelo a minha
vida.
carlos de
oliveira
sobre o lado
esquerdo
trabalho
poético
livraria sá da costa editora
1982
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