11 novembro 2022

fátima maldonado / cinco poemas do quotidiano

 
 
1
 
A casa recusa adormecer
lá fora um pássaro simulando extravio
pede socorro.
Um pensamento a néon cintila
azul prateado,
ressoando bate nos móveis, não se despedaça
e mergulha na chávena onde enfim descansa.
O que fazer neste tempo que vai arrefecendo
e mesmo arrefecendo não se multiplica,
não se transforma em matéria nova, decomposta
permanece assim abandonado a cada síntese julgada pertinente.
Nenhum de nós se gaba de ter transformado seja o que for,
é exacto, ninguém abalou o alicerce.
As colunas mantêm-se de pé, abanaram apenas e persistem.
O olhar descansa numa concha, detém-se num rochedo
e retorna à pupila.
O que sentimos bate nas coisas e regressa a penates.
Olhando a pedra, a estria, a recortada pena, a pele da maçã,
Apenas se detecta um crispado arrepio, leve memória.
O arranhão não fere, a linfa prosseguindo circula mais depressa.
 
 
 
fátima maldonado
sem rasto
cinco poemas do quotidiano
averno
2021






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