23 fevereiro 2012

josé luis garcía martin / ruas





Ruas de uma cidade que não conheço
com pouca gente e vento e chuva cinza.
Espero por quem não chega enquanto altas
se acendem luzes em janelas sós
e uma mulher passeia numa esquina.
Há olhos que me fitam um instante
e não sabem ler palavras que não digo:
«Dá-me outro nome, muda o meu destino.»




josé luís garcia martin
trípticos espanhóis 1º.
trad. joaquim manuel magalhães
relógio d´água
1998


22 fevereiro 2012

sophia de mello breyner andresen / o poeta trágico




No princípio era o Labirinto
O secreto palácio do terror calado
Ele trouxe para o exterior o medo
Disse-o na lisura dos pátios no quadrado
De sol de nudez e de confronto
Expôs o medo como um toiro debelado





sophia de mello breyner andresen
arquipélago
dual
caminho
2004




21 fevereiro 2012

ana luísa amaral / outras vozes





Fechar os olhos e por dentro ecoar em passado.
Pensar «podia ter outra cor de pele, outra pelagem»
E o tempo virar-se do avesso, e entrar-se ali,
em vórtice, pelo tempo dentro.
Escolher.

Trazer cota de malha e de salitre,
ter chorado quando o porto ao longe se afastara,
milhares de milhas antes,
meses em sobressalto para trás.

As febres e tremuras durante a travessia,
 a água amarga, as noites
carregadas de estrelas,
 junto ao balanço do navio, um astrolábio.

Numa manhã de sol, do porto de vigia,
ver muito ao fundo, em doce oval,
a linha, quase tão longínqua como constelação.
Gritar «terra», gritar aos companheiros
ao fundo do navio, do fundo dos pulmões gritar,
e o bote depois, os remos largos,
a cama de areia e o arvoredo.

Ou trazer na cabeça penas coloridas,
conhecer só a fundo a areia branca
e o mar sem fundo, peixes pescados ao sabor dos dias,
uma língua a servir de subir a palmeiras,
a servir de caçar e contar histórias.

Moldar um arpão, começar por um osso
ou pedra e madeira,
entrelaçar o corpo da madeira, e o afiado da extremidade.
Contemplar devagar o resultado do trabalho
e da espera.
Ou a beleza. Escolher.

Trazer o fogo na mão, escondido pela pólvora,
fazer o fogo na orla da floresta.
Os risos das crianças, tocar a areia branca, tocar
a outra pele. Cruel,
o medo, vacilar entre a fome e o medo.
Ou não esco1her.

As penas coloridas sobre um elmo,
a cota de malha lançada pelo ar como uma seta,
os sons dos pássaros sobre a cabeça,
imitar os seus sons,
num lago de água doce limpar corpo e
pecados de imaginação,
sentir a noite dentro da noite,
a pele junto da pele,
imaginar um sítio sem idade.

Trocar o fogo escondido pelo fogo alerta,
o arpão pelo braço que se estende,
gritar «eis-me, vida»,
sem ouro ou pratas.
Com a prata moldar um anel
e uma bola de fogo a fingir,
e do fogo desperto fazer uma ponte a estender-se
à palmeira mais alta.

Esquecer-se do estandarte no navio,
depois partir da areia branca, nadar até ao navio,
as penas coloridas junto a si,
trazer de novo o estandarte e desmembrá-lo.
Fazer uma vela, enfeitá-la de penas,
derretidos que foram, entretanto,
sob a fogueira a1ta e várias noites,
elmo e cota de malha.

Serão eles a dar firmeza ao suporte da vela,
um barco novo habitado de peixes
brilhantes como estrelas.

Não eleger nem mar, nem horizonte.
E embarcar sem mapa até ao fim
do escuro.





ana luísa amaral
vozes
dom quixote
2011


20 fevereiro 2012

manuel de freitas / 1685-1750




II


São dias de extermínio, agora.
O punhal das horas já não
cede ao alaúde nem ao cravo torturado
pela mudez. Repugnam-me simplesmente
estes dias devagar e não sei com que letras
se escreve nunca mais o nome do amor
(deixei de confiar a alma a um celeiro podre).

Quando a música de um homem assim
não consegue demover-nos da angústia,
percebemos que a vida é morte
— impossíveis os gestos, as fugas, os desejos.

Amanhece e eu não. O sono deixou-se
pousar ao lado do livro que não pude ler
e mesmo o que escrevi sobre a morte,
embora exacto, era afinal aproximativo.
Sou agora plenamente o meu cadáver.
Ofereço-lhe um cigarro, o que sobra
de cerveja, a memória das cantatas
que me sa1varam do tédio, do suicídio
e de mim próprio. Talvez seja um sentido,
uma ânsia de dissipação que encontrou
o seu termo moral, espiritua1, orgânico.
Não sei.

Todas as palavras se tornaram para o sangue
uma mesma mentira, entre o exorcismo
e a ameaça. No fundo, a dizer havia apenas
isto: a luz que explode na janela
já não encontra nem corpo nem vontade.


  


manuel de freitas
[ sic ]
assírio & alvim
2002

19 fevereiro 2012

magda szabó / a porta



RARAMENTE sonho. Se acontece, acordo sobressaltada, banhada em suor. Então, estico-me, espero que o coração serene, e devaneio sobre o poder mágico, irresistível, da noite. Na infância ou na juventude, não tinha nem bons, nem maus sonhos, só a velhice arrasta os aluviões do passado em massa cada vez mais compacta, num terror petrificado e tanto mais alarmante quanto mais tenso e trágico, como jamais vivi, pois, na realidade, acordar assim a gritar, isso comigo nunca aconteceu.
Os meus sonhos são visões que retornam, absolutamente idênticas: eu tenho sempre o mesmo sonho. Estou à entrada do nosso prédio, ao fundo das escadas, atrás do portão, em vidro armado inexpugnável, reforçado por uma armação de ferro, e tento abrir a fechadura. Fora, na rua, há uma ambulância, e, através dos vidros, são fluidas as silhuetas dos enfermeiros, de um tamanho sobrenatural, seus rostos inchados rodeiam-se de um halo, como a Lua. A chave roda. Mas debato-me em vão, não consigo abrir a porta, e, contudo, tenho de fazer entrar as ambulâncias, ou vão chegar tarde ao doente. Claro, a fechadura nem dá de si, e assim fica a porta, como se estivesse soldada à armação de ferro. Grito por socorro, mas nenhum morador dos três pisos me presta atenção, nem sequer poderia, pois — dou-me conta — limito-me a mexer os lábios, sem um som, como um peixe, e o pânico atinge o auge quando percebo que não somente não posso abrir a porta aos socorristas, como ainda fiquei muda. É nesse instante que o meu grito de terror me acorda, acendo a luz, procuro combater a asfixia que se apodera de mim após este sonho, rodeada pela mobília, conhecida, do quarto, e, por cima da nossa cama, a iconografia familiar, os meus antepassados parricidas, com dólmanes bordados, à maneira do barroco húngaro, ou Biedermeier, os meus avós, que tudo vêem, e tudo compreendem, únicos que sabem quantas vezes corri, de noite, a abrir a porta aos primeiros-socorros, às ambulâncias, quantas vezes imaginei o que aconteceria, enquanto, através da porta fechada, se ouvia o frufrulhar da ramagem ou os passos silenciosos dos gatos, em vez do ruído conhecido das ruas silenciosas, durante o dia, se, alguma vez, lutasse em vão com uma chave, e não desse a volta.
Os retratos sabem tudo, sobretudo, o que prefiro esquecer, o que já não é sonho. Pois só uma vez, na minha vida, uma única vez, na realidade, e não no estado de fraqueza cerebral devida ao sono, uma porta se abriu diante de mim, que não deveria ter aberto quem se resguardava na sua solidão e na sua miséria impotente, mesmo se o tecto ardente crepitava já sobre a sua cabeça. Só eu tinha poder para fazer funcionar essa fechadura: quem rodava a chave confiava mais em mim do que em Deus, e eu, nesse instante fatal, julgava ser Deus, sábia, ponderada, boa e racional. Estávamos ambas erradas, ela, porque acreditava em mim, e eu, porque tinha fé excessiva em mim. Agora, também já não importava, porque não se podia reparar o que acontecera. Pois que venham, de tempos a tempos, essas Eríneas de alto coturno em sapatos confortáveis, máscara trágica sob a touca de enfermeiras, e rodeiem a minha cama, brandindo as espadas de duplo fio que são meus sonhos. Eu espero-as, todas as noites, ao apagar a luz, e preparo-me para, no meu sono, ouvir retinir a campainha que faz avançar horror inominável para a porta que não abrirá jamais.
A minha religião não conhece a confissão individual, são as palavras do nosso pastor que nos asseveram sermos pecadores, votados à condenação, porque pecámos, de todos os modos, contra os mandamentos. Recebemos, assim, a absolvição, sem que Deus exija de nós explicações ou pormenores.
Dou-os eu, agora.
Não redigi este livro para Deus, que conhece as minhas entranhas, nem para as sombras, testemunhas que são de tudo, e me vigiam a cada instante, nas horas acordadas e dormindo, mas para os homens. Vivi, até hoje, corajosamente, e assim espero morrer, corajosamente e sem mentir, mas, por isso mesmo, na condição de dizer: eu matei Emerence. E pouco muda que eu não quisesse destruí-la, mas salvá-la.






magda szabó
a porta
tradução do húngaro ernesto rodrigues
dom quixote
2006




18 fevereiro 2012

aurora maria amaral / correm graves os tempos






Correm graves os tempos
de manhãs sombrias e suadas
é tanta a solidão e a dor antiga
acordamos os bolsos vazios
os sorrisos plenos enlutados
pelo tempo de espera
à porta do amor
Gira que gira a minha bola de cristal
ousada
Roda que roda o meu poema breve
alado
Tragam-me luzes
cor e movimento
acendam-me o palco vazio
tombará por fim a lágrima oprimida
e o tempo seguirá sombrio e certo
na sua austeridade




aurora maria amaral








17 fevereiro 2012

gil t. sousa / um caminho

  


46

um caminho
que perfeito abrigasse
o chão
que nos sustém

e um céu
que se abrisse
ao morrer do medo
num longínquo ponto
sem luz

e que esta paixão
fosse um deserto
sem sede

este amor
o sono do tempo




gil t. sousa
falso lugar
2004





16 fevereiro 2012

rené char / declarar o seu nome




Eu tinha dez anos. O rio Sorgue prendia-me. O sol cantava as horas no sábio mostrador das águas. A despreocupação e a dor tinham selado o galo de ferro ao tecto das casas e suportavam-se mutuamente. Mas que roda no coração da criança expectante girava mais depressa, com mais força, que a do moinho no seu incêndio branco?



rené char
este fanático das nuvens
acima do vento
tradução y. k. centeno
cotovia
1995



15 fevereiro 2012

hristós valavanídis /estátua





Feita roda de gesso
só os pés de ouro;
como pô-la erecta
se te derrete nas mãos,
os olhos de vidro prestes a rolarem?
Deixa-a ficar de joelhos
e esquece-a.
Não quero ver-te levantar de novo
para segurá-la.





hristós valavanídis
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
tradução de josé bento
assírio & alvim
2001





14 fevereiro 2012

mário cesariny / corpo visível





A esta hora entre os blocos de prédios enevoados
     a bela mancha
diurna dos calceteiros na praça
e os dois amantes que hoje não dormiram vão partir nos
     braços da sua estrela
à beira do caminho ladeado de sebes de espinheiro
uma carta
uma letra muito fina      extremamente caligráfica
onde a aventura do homem que devolve as palavras que
     lhe são remetidas
deixou a sua marca
e o duque da terceira levanta o braço
comentando seguido pelas aves que acordam a duzentos e
     mais metros de altura
o que não é ainda a grande altura
sim sim
                 não são
                                 quem sabe


Dentro do grande túnel digo-te a vida
esta nuvem que vai para o centro da cidade leve e rosada
     como a proa de um barco
bateira que me trás os dados e a roleta onde no branco
     ou no preto devo jogar
jogando-me contigo
bem-me-quer
malmequer
ou muito     ou pouco
                                    ou nada
o que só com as mãos pode ser soletrado
só nos teus olhos nos teus olhos escrito


Dentro do grande túnel digo-te a vida
o moço que há uma hora não fazia senão fumar cigarros
o mesmo que julgou ter a noite perdida que maçada
sempre encontrou o seu par lá vão eles já no extremo do
     outro lado da praça
ilustrando uma tese velha da idade do sol um tanto im-
     pertinente e desde logo
minha
segundo a qual no amor toda a entoação da voz humana
     tende a reduzir o indivíduo receptor ao estado de
     serpente fascinada
sem que daí advenha a petrificação estrela cadente
ou qualquer outra espécie de perturbação durável
Eu digo que há tambores
mapa louco riscado sobre a areia
há o desenho de onda que atravessa o dorso da cigarra
há o gato tão limpo e ainda e sempre a lavar-se à soleira
     da porta – a tua porta
quando olhas para mim, a trave mais segura, dizes tu, da
     viagem ─
e no vitral de tudo o que eu mais adoro
─ a dez mil metros de profundidade lá onde a carpa
     avança sem deixar qualquer rasto
há o campo selvagem dos teus ombros
espreitando contra a luz      na orla do rio      a nuvem
     de corsários
que sou eu
vestido de andaluz para o baile em chamas ─  digo: o
     grande baile do século na ilha


O havermo-nos encontrado na horrível sala dos passos
     perdidos
é o que levarei mil anos a decifrar
o teu cabelo mapa onde tudo reflecte a ronda luminosa
     dos meus dedos
é o santo e a senha do percurso na sombra
o gesto com que voltas de repente a cabeça interrompendo
     o fio da meada sem que é engraçado hajam batido
     à porta entrado ou saído alguém
são os astros o sangue e os jardins de Brauner
e a tua mão posta em arco sobre a minha boca
é uma nova rosácea sobre o mar
Livres
digo livres
e isso é não só a grande rua sem fim por onde vamos
viemos
ao encontro um do outro
a esta casa dorso de todas as casas e no entanto a única
     perfeita silenciosa fresca
mas e também as chamas que acendemos na terra
da floresta humana
não só ao longo dos álamos gigantes e das clareiras mais
     espectaculares ─  aí a memória é fácil ─
mas na erosão física de cada folha no vento
tudo o que teve terá a sua vez connosco
a haver de nós a mesma dádiva recíproca
porque tu vês
de costas para a janela      tu que disseste:
                              “vai haver uma grande guerra”
                              “nenhum de nós eu sei escapará vivo”
vês tão bem como eu o pouco que isso vale, na muralha
     da china onde ainda estamos
nada é de molde a tapar por completo a figura de bronze
enterrada na areia
o écran que floresce
como tu      como eu      nos tubos que dissemos
fizemos
faremos      acordar
                                                e até quando?


Amor
            amor humano
amor que nos devolve tudo o que perdêssemos
amor da grande solidão povoada de pequenas figuras cin─
     tilantes
digo: a constelação de peixes rápidos
do teu corpo em sossego
seja ela a aurora halo multicor
seja o perpétuo real ceptro branco da noite
seja até porque não a luz crepuscular com o seu chapéu
     preto as suas hastes mudas


Começa a ouvir-se o canto da cigarra
sinal de que foi pisado o botão entre os limos
estão presentes ao acto todos os seres vivos e entre esses
     aqueles que nos foram queridos
na maré límpida que nos impede sabe o polvo dos mares
     até onde e se haverá regresso
em qualquer lado      a última janela fotográfica
as mãos do faroleiro
como a locomotiva no seu túnel
mas não há senão o teu rosto o teu rosto o teu rosto ainda
     e sempre o teu rosto
como é fácil      como é belo
A Vida inteira      Meu amor
                                                                 SOMOS NÓS


O cigarro do anúncio luminoso adoeceu deveras
     já não fuma o espaço
a uma certa velocidade calma
o atrito longo e agudo dos eléctricos moendo calhas
diz-nos que amanheceu
na sua torre de londres o relógio da estação do rossio adquire
     decidida importância
amanheceu      é óbvio      amanheceu
da nossa viagem ao país dos amantes já não resta senão
     esse penacho de fumo
que ameaça evoluir de acordo com a paisagem
uma fábrica      ou antes      na janela entreaberta
a mensagem do pássaro-extra-programa
que toca desafinado a fabulosa ária O Mundo Conhecido
e faz baixo cifrado com a diva local A Lágrima aos Leões
Agora somos pequenos e inúmeros e percorremos o espaço
     com gangrenas nas mãos
e intentamos chamadas telefónicas
e marcamos de novo e desligamos depressa
e tu pões uma écharpe sobre os ombros
e eu visto o meu casaco e saímos de vez
porque nós somos a multidão a que eu chamo
o homem e a mulher de todos os tempos áridos
e como sempre não há lugar para nós nesta cidade
esta ou outra qualquer que de perto ou de longe a esta se
     pareça


O regresso é sempre assinalado por esta negra actividade
     carfológica
verdadeiro sinal-emblema destes tempos
em que a evidência necessita de envólucro
para não morrer na estrada
junto às rodas do avanço a golpes de clarim reinvenção
     espantosa masculina da morte
ou nos carros do clube As Mãos no Sexo
junto ao qual      admira-te      vivemos
O problema não passa da sua fase primária:
um ─  o crocodilo
e dois ─  o clou do arame
se bem que esta velha raça de acrobatas anões
devesse dar por terminada há muito a sua nobre facécia
     sobre a cúpula em chamas
dividir o homem
pôr-lha à direita a luz a assistência aplaude pôr-lhe à
     esquerda a sombra a assistência treme
de tal modo que a meio da operação cabalística
em silêncio e miséria em medo e melancolia o homem
     atinja bravo bravo bravo a imobilidade do sepulcro
após o que rocegagem do arlequim de plumas
e iluminação de todos os fósseis mais antigos


Convenhamos meu amor convenhamos
em que estamos bem longe de ver pago todo o tributo de-
     vido à miséria deste tempo
e que enquanto um só homem um só que seja e ainda que
     seja o último existir DESFIGURADO
não haverá Figura Humana sobre a terra
─  Aa ensombração maligna de certas lágrimas quando a
     alegria é mais resplandecente
não deve ter outra origem
no centro do diamante o pequenino carvão venenoso é
     quanto basta para perder a vida
e no entanto nós meu amor partimos
livres e únicos no altar da estrela que só nós podemos
mas por este lado estamos presos à roda como a lapa não
     o está na sua rocha
e na cama-beliche desfeita da viagem floresce a sono solto
     uma flor especiosa
decor para a estrada pela esquerda alta da figura do
     Homem Sufocado
o homem que nos fala de apagador na mão doce chapéu
     cinzento rosto impermeável
impossível sair impossível passar ele quer ir connosco até
     aos confins da terra


Contra ele meu amor a invenção do teu sexo
único arco de todas as cores dos triunfos humanos
contra ele meu amor a invenção dos teus braços
maravilha longínqua obscura inexpugnável rodeada de
     água por todos os lados estéreis
contra ele meu amor a sombra que fazemos
no aqueduto grande do meu peito      O MAR




mário cesariny
lisboa
1950





assírio & alvim
fundação cupertino de miranda
2010




13 fevereiro 2012

yorgos seferis / romance




III

                               Lembra-te dos banhos em que foste afogado




Acordei com esta cabeça de mármore nas mãos
que extenua os meus cotovelos e não sei onde
          pousá-la.
Ela tombava no sonho enquanto eu saía do sonho
a nossa vida uniu-se e será muito difícil separar-se
          de novo.

Vejo os olhos; nem abertos nem fechados
falo à boca que continuamente procura  falar
seguro as maçãs do rosto que ultrapassam a pele.
Já não tenho força;

as minhas mãos perdem-se e aproximam-se de mim
mutiladas.






yorgos seferis
poemas escolhidos
trad. de joaquim manuel magalhães e nikos pratisinis
relógio d´água
1993




12 fevereiro 2012

guillevic / mais tu sais trop qu´on te prefere…




Sabes de mais que todos te preferem,
Que mesmo aqueles que te deixam

Nos trigos te reencontram,
Na erva te procuram,
Na pedra te escutam,
Sem que jamais consigam agarrar-te.




guillevic
carnac (1961)
vozes da poesia europeia III
traduções de david mourão-ferreira
colóquio letras 165
fundação calouste gulbenkian
2003