(1926)
Domingo, 1 de Maio
Voltámos de Roma na quinta-feira à noite; daquela outra vida privada
que agora tenciono ter para sempre. Há toda uma existência em Itália: à parte
desta. Não se é ninguém em Itália, não se tem um nome, nem vocação, nem
passado. E, depois, não há ali apenas a beleza, mas um relacionamento
diferente. No conjunto, creio que nunca desfrutei um mês tanto. Que capacidade
de desfrutar eu tenho! Gostei de tudo. Quem me dera não ser tão ignorante do
italiano, da arte, da literatura, etc. Mas não me posso alargar agora sobre
isto, ou penetrar na grande massa de sentimentos que se formou em mim. Quando regressámos,
às 11 e meia, encontrámos a Nelly na cama, com uma misteriosa enfermidade dos
rins. Isto foi um choque, o café foi um choque, tudo foi um choque. E depois
lembrei-me de que o meu livro está prestes a sair. As pessoas dirão que sou
irreverente – as pessoas dirão mil coisas. Mas creio, honestamente, que me
importo muito pouco desta vez – mesmo em ralação à opinião dos meus amigos. Não
tenho a certeza se é bom. Fiquei desiludida quando o li todo a primeira vez. Mais
tarde, gostei. De qualquer modo, é o melhor que sei fazer. Mas será bom ler as
minhas coisas quando estão impressas, criticamente? É encorajador que, apesar
da obscuridade, afectação, etc., as minhas vendas cresçam constantemente. Já vendemos
1220 exemplares antes da publicação, e creio que atingirá os 1500, o que, para
uma escritora como eu, não é mau. Mas, para mostrar que sou genuína, dou por
mim a pensar noutras cisas, absorvida e esquecendo que sairá na quinta-feira. O
Leonard nunca pensa no seu livro. a Vita volta na sexta-feira. Está agradável,
frio, limpo, jantamos fora, fuma-se um charuto.
virgínia woolf
diários
trad. jorge vaz de carvalho
relógio d´água
2018
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