11 setembro 2006

new york, 11 de setembro de 2001




O que mais assusta nesta data é que, muito provavelmente, ela ficará na História como a fronteira entre um tempo em que o mundo ia mudando pela força do pensamento dos homens e um outro bem mais obscuro em que os homens mudam o pensamento pela força do mundo.



gil t. sousa

05 agosto 2006

um poema de: rené char

fastos




O Verão cantava sobre a sua rocha preferida
quando tu me apareceste,

o Verão cantava afastado de nós
que éramos silêncio,
simpatia,
liberdade triste,
mar
mais ainda do que o mar,
cuja enorme comporta azul
brincava aos nossos pés.

O Verão cantava
e o teu coração nadava longe dele.
Eu beijava a tua coragem,
entendia a tua perturbação.

Estrada através do absoluto das vagas
em direcção a esses altos picos de escuma
onde navegam virtudes assassinas
para as mãos que seguram as nossas casas.

Não éramos crédulos.
Éramos rodeados.

Os anos passaram.
As tempestades morreram.
O mundo partiu.

Sofria
por sentir que era o teu coração que já não me conhecia.

Eu amava-te.
Na minha ausência de rosto e no meu vazio de felicidade.

Eu amava-te,
mudando em tudo,
fiel a ti.




rené char
furor e mistério
trad. margarida vale de gato
relógio de água
2000



24 julho 2006

reflexões





Guerra





O dedo tremente de uma mulher
Vai percorrendo a lista das baixas
No entardecer do primeiro dia de neve.

A casa é fria e a lista longa.

Todos os nossos nomes lá estão.







Charles Simic
Traduzido por José Lima
in Diversos nr. 2

23 julho 2006

pictures at an exibition / edgar degas



Dancers at the Barre, ca. 1873

Edgar Degas (1834–1917)
Oil thinned with turpentine on prepared green paper; 472 x 625 mm
The Trustees of the British Museum (2005).

19 julho 2006

post it / anderson henrique de sousa


Quase um dia



Um dia sem vento
é quase

um dia

Chega mesmo
a dar agonia
ver as nuvens

paradas

no céu


Os prédios nem se movem.
Só o som do elevador
de

cima
para
baixo

As nuvens estão

paradas


quase
um dia






anderson henrique de sousa
São Paulo



14 julho 2006

citações


Calor


Tarde turquesa
Quarenta graus
Talvez porque você não esteja
tudo lateja
Tarde sem nuvem
Cincoenta graus
Talvez por sua ausência
tudo derreta
Noite sem ninguém
Nada se mexe
Eu sonho nosso amor a sério
E você em outro hemisfério
Enquanto tudo derrete
Enquanto tudo derrete
Enquanto tudo parece
Derreter




Adriana Calcanhoto



04 julho 2006

estações

11)



último degrau



assim te levaria
pelo último degrau da lua

e no definitivo clarão
do vinho que me queimasse

deixaria ir
quase tudo o que morria




gil t. sousa
poemas
2001




29 junho 2006

post it / m. f. s.

candelabros



candelabros minha flor de laranjeira

sussurrava o sussurrante ao ouvido esquecido

candelabros ofuscantes na paisagem futurista dos teus sonhos

entre leitos alvos espalhados na planície

luzes incolores nos olhos das crianças adormecidas

candelabros meu amor de fim de mundo



m.f.s.


22 junho 2006

um poema de: juan gelman

chuva


hoje chove muito, muito,
dir-se-ia que estão a lavar o mundo.
o meu vizinho do lado vê a chuva
e pensa em escrever uma carta de amor /
uma carta à mulher com quem vive
e lhe faz a comida e lava a roupa e faz amor com ele
e se parece com a sua sombra /
o meu vizinho nunca diz palavras de amor à mulher /
entra em casa pela janela e não pela porta /
por uma porta entra-se em muitos sítios /
no trabalho, no quartel, na prisão,
em todos os edifícios do mundo /
mas não no mundo /
nem numa mulher / nem na alma /
quer dizer / nessa caixa ou nave ou chuva que chamamos assim /
como hoje / que chove muito /
e me custa escrever a palavra amor /
porque o amor é uma coisa e a palavra amor é outra coisa /
e só a alma sabe onde as duas se encontram /
e quando / e como /
mas que pode a alma explicar /

por isso o meu vizinho tem tempestades na boca /
palavras que naufragam /
palavras que não sabem que há sol porque nascem e morrem na
mesma noite em que ele amou /
e deixam cartas no pensamento que ele nunca escreverá /
como o silêncio que existe entre duas rosas /
ou como eu / que escrevo palavras para regressar
ao meu vizinho que vê a chuva /
e à chuva /
ao meu coração desterrado /



juan gelman
“no avesso do mundo”
trad. colectiva da casa de mateus
revista por ana luísa amaral
quetzal
1998




20 junho 2006

citações

“Quinta, 22 de Novembro

(...) Fui jantar com o Roger [ Fitzroy Street] e encontrei-me com o Clive. Sentámo-nos à volta da mesa quadrada e baixa, coberta com uma bandana, e comemos de travessas, cada uma com uma espécie diferente de feijão ou alface: comida deliciosa, para variar. Bebemos vinho, e a terminar comemos um queijo branco e macio, com açúcar. Depois, pairando esplendidamente acima de personalidades, falou-se de literatura e de estética.
“Sabe, Clive, descobri um pouco mais acerca do que é essencial a qualquer arte: sabe, a arte é representativa. Diz-se a palavra árvore e vê-se uma árvore. Muito bem. Ora todas as palavras têm uma aura. A poesia combina as diversas auras numa sequência…” Foi mais ou menos assim. Eu disse que se pode, e é o que se faz realmente, escrever com frases, e não apenas com palavras; o que não fez avançar muito a discussão. O Roger perguntou-me se eu baseava a minha escrita numa textura ou numa estrutura; associei estrutura com enredo e portanto disse: “textura”. Depois discutimos o significado de estrutura e de textura na pintura e na literatura. Depois discutimos Shakespeare, e o Roger disse que a ele Giotto o entusiasmava precisamente da mesma maneira. Isto continuou até que me forcei a sair, precisamente às dez. E discutiu-se também poesia chinesa; o Clive disse que era demasiado longínqua para se poder compreender. O Roger comparou a poesia com as pinturas. Gostei muito de tudo aquilo (isto é, gostei da conversa). Há sem dúvida muita coisa que é perfeitamente vaga, e que não é para se levar a sério, mas esta atmosfera faz urna pessoa ter ideias e, em vez de se ter de as abreviar ou de as desenvolver em muitíssimas palavras, pode-se simplesmente dizê-las que há logo quem as entenda - ou melhor, quem discorde. O nosso velho Roger tem uma visão deprimente, não da nossa vida, mas do futuro do mundo; mas creio ter detectado a influência de Trotter e das massas, de modo que não lhe dei crédito . Mas quando saí para Charlotte Street, onde se deu o crime do Bloomsbury há uma ou duas semanas, e vi uma multidão atropelando-se na estrada e ouvi mulheres a insultarem-se e outras que, atraídas pelo barulho, acorriam, deliciadas — toda esta sordidez me fez pensar que ele era bem capaz de ter razão.
Hoje o dia tem estado perfeitamente quente e muito sereno, e nós só tivemos tempo, depois de acabar de imprimir uma página, de chegar até ao rio e ver tudo reflectido perfeitamente a direito na água. O telhado vermelho de uma casa tinha a sua nuvenzinha de vermelho no rio – as luzes acesas da ponte desenhavam longas listas em amarelo – muito tranquilo, e como se fosse o coração do Inverno. “


Virgínia Woolf,
Diário primeiro volume 1915-1926, trad. Maria José Jorge, Bertrand Editora, 1985



19 junho 2006

pictures at an exibition / peter blume

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Peter Blume
(American, born Russia, 1906–1992)
South of Scranton
1931

George A. Hearn Fund, 1942 (42.155)