Mostrar mensagens com a etiqueta konstandinos kavafis. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta konstandinos kavafis. Mostrar todas as mensagens

23 julho 2018

konstandinos kavafis / na rua




O seu rosto bonito, um bocado pálido;
os olhos castanhos, como que sem brilho;
de vinte e cinco anos, embora se calhar pareça ter vinte;
com algo artístico na sua roupa
– qualquer coisa na cor da gravata, forma do colarinho –
sem rumo caminha pela rua,
como que hipnotizado ainda pelo prazer sem lei,
pelo muito prazer sem lei que adquiriu.



konstandinos kavafis
os poemas
II 1916-1918
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
2005







28 maio 2018

konstandinos kavafis / prece




Nos seus fundos tomou um marinheiro o mar. –
Sua mãe vai e acende, por ignorar,

diante da Virgem uma alta vela
que volte depressa e faça bom tempo apela –

e não pára de escutar se o vento esmorece.
Porém enquanto ela reza e faz uma prece,

aquele ícone ouve, sério e triste,
que seu filho ao qual espera já não existe.


konstandinos kavafis
os poemas
adenda, 1.ª  (1897-1904)
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
2005







29 março 2018

konstandinos kavafis / jura





Jura muitas vezes     começar uma vida melhor.
Mas quando vem a noite     com os seus próprios conselhos,
com os seus compromissos,     e com as suas promessas;
mas quando vem a noite     com a sua própria força
do corpo que quer e pede, para a mesma
alegria fatal, perdido, vai de novo.



konstandinos kavafis
os poemas
I (1905-1915)
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
2005









31 maio 2017

konstandinos kavafis / muros




Sem circunspecção, sem mágoa, sem pejo
grandes e altos em redor de mim construíram muros.

E fico e desespero agora no que vejo.
Não penso noutra coisa: na minha mente esta sina rasga furos;

porque tantas coisas havia a fazer lá fora por ti.
Quando construíram os muros como é que não reparei, ah.

Mas nunca o estrondo de pedreiros ou som ouvi.
Imperceptivelmente cerraram-me do mundo que está lá.




konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994





19 dezembro 2016

konstandinos kavafis / da loja




Embrulhou-as com cuidado, ordenadamente
na seda verde excelente.

Lírios de pérolas, rosas de rubis,
violetas de ametista. Tais como ele as quis,

as apreciou, as viu belas; não como na natureza há
as viu e as estudou. Dentro do cofre as deixará

amostra do seu trabalho eficaz e sem temor.
Se na loja entrar um qualquer comprador

tira outras dos estojos e vende – jóias singulares –
pulseiras, anéis, cordões e colares.



konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994



19 maio 2015

konstandinos kavafis / antes de o tempo os mudar



Entristeceram grandemente     no momento da sua separação.
Eles não a queriam;     foram as circunstâncias.
Necessidades vitais     fizeram um deles
ir embora para longe ─      Nova Iorque ou Canadá.
O seu amor não era     por certo como dantes;
tinha diminuído     a atracção gradualmente,
tinha diminuído     muito a sua atracção.
Mas separar-se,     não o queriam.
Foram as circunstâncias. ─      Ou porventura artista
foi a Sorte     separando-os agora
antes de apagar-se o sentimento deles,     antes de o Tempo os mudar;
o um para o outro     ficará para sempre como se fosse
esse belo rapaz     dos vinte e quatro anos.



konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994



24 janeiro 2015

konstandinos kavafis / as janelas



Nestas salas escuras, onde vou passando
dias pesados, para cá e para lá ando
à descoberta das janelas ─ Uma janela
quando abrir será uma consolação. ─
Mas as janelas não se descobrem, ou não hei-de conseguir
descobri-las. E é melhor talvez não as descobrir.
Talvez a luz seja uma nova subjugação.
Quem sabe que novas coisas nos mostrará ela.



konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994




06 outubro 2014

konstandinos kavafis / candelabro



Num quarto pequeno e nu, quatro paredes somente,
recamadas de muito verdes panos,
um belo candelabro brilha incandescente;
e em cada uma das chamas se acende
uma lúbrica paixão, um lúbrico ardor.

Na pequena alcova, que ilumina refulgente
a forte luz que vem do candelabro,
não é vulgar fogo esta luz ardente.
Não foi feita para os corpos tementes
a volúpia que há neste calor.


konstandinos kavafis
tradução de manuel resende




30 julho 2014

konstandinos kavafis / che fece….il gran rifiuto



A algumas pessoas um dia cai
em que o grande Sim ou o grande Não sobrevém
dizer. Logo surge ao de cima a que tem
pronto dentro de si o Sim e ao dizê-lo vai

além da sua honra e do que está convencida.
A que negou não se arrepende. De novo interrogada
Voltaria a dizer não. Mas tem-na derrotada
Aquele não – o correcto – toda a sua vida.



konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994



14 abril 2014

konstandinos kavafis / desideri


1
DESEJOS
Como corpos belos dos que morrem sem ter envelhecido
— e são guardados, em lágrimas, num mausoléu magnífico,
com rosas na fronte e com jasmins aos pés —
assim os desejos são, desejos que esfriaram
sem serem consumados, sem que um só fruísse
uma noite de prazer, ou uma aurora que a lua inda ilumina.



constantino cavafy
90 e mais poemas
trad Jorge de Sena
edições asa
2003



28 março 2014

konstandinos kavafis / ao pé da casa



Ontem, divagando por um bairro
mais distante, passei pela casa
onde eu às vezes ia, ao tempo de ser jovem.
De meu corpo o Amor se apoderou ali
com sua força incrível. Ontem,
quando passava pela velha rua,
lojas, calçada, pedras,
paredes e varandas e janelas,
tudo se transformou por magia do amor.
Nada restou que fosse pobre e vil.

E enquanto eu me ficava olhando a porta,
parado, a demorar-me ao pé da casa,
de todo o ser me fluíam, restitutos,
os sensuais prazeres que tinha em mim guardados.

[1918 ]

  

constantino cavafy
90 e mais poemas
trad jorge de sena
edições asa
2003




29 outubro 2013

konstandinos kavafis / fui



Não me manietei. Dei-me totalmente e fui.
Aos deleites, que metade reais,
metade volteantes dentro da minha cabeça estavam,
fui para dentro da noite iluminada.

E bebi dos vinhos fortes, tal
como bebem os denodados do prazer.




konstandinos kavafis
poemas e prosas
trad. joaquim manuel magalhães e
nikos pratsinis
relógio d´água
1994


29 abril 2013

constantino cavafy / a origem


  
Consumara-se o prazer ilícito.
Ergueram-se ambos do catre humilde.
À pressa se vestiram, sem falar.
Saíram separados, furtivamente;
e, ao caminhar inquietos pela rua,
como que receavam que algo neles traísse
em que espécie de amor há pouco se deitavam.

Mas quanto assim ganhou a vida do poeta!
Amanhã, depois, anos depois, serão
escritos os versos de que é esta a origem.

                                                          [1921]



constantino cavafy
90 e mais poemas
trad jorge de sena
edições asa
2003



07 dezembro 2011

constantino cavafy / à espera dos bárbaros





O que esperamos nós em multidão no Forum?

       Os Bárbaros, que chegam hoje.

Dentro do Senado, porque tanta inacção?
Se não estão legislando, que fazem lá dentro os senadores?

        É que os Bárbaros chegam hoje.
        Que leis haveriam de fazer agora os senadores?
        Os Bárbaros, quando vierem, ditarão as leis.

Porque é que o Imperador se levantou de manhã cedo?
E às portas da cidade está sentado,
no seu trono, com toda a pompa, de coroa na cabeça?

        Porque os Bárbaros chegam hoje.
        E o Imperador está à espera do seu Chefe
        para recebê-lo. E até já preparou
        um discurso de boas-vindas, em que pôs,
        dirigidos a ele, toda a casta de títulos.

E porque saíram os dois Cônsules, e os Pretores,
hoje, de toga vermelha, as suas togas bordadas?
E porque levavam braceletes, e tantas ametistas,
e os dedos cheios de anéis de esmeraldas magníficas?
E porque levavam hoje os preciosos bastões,
com pegas de prata e as pontas de ouro em filigrana?

        Porque os Bárbaros chegam hoje,
        e coisas dessas maravilham os Bárbaros.

E porque não vieram hoje aqui, como é costume, os oradores
para discursar, para dizer o que eles sabem dizer?

        Porque os Bárbaros é hoje que aparecem,
        e aborrecem-se com eloquências e retóricas.

Porque, subitamente, começa um mal-estar,
e esta confusão? Como os rostos se tornaram sérios!
E porque se esvaziam tão depressa as ruas e as praças,
e todos voltam para casa tão apreensivos?

        Porque a noite caiu e os Bárbaros não vieram.
        E umas pessoas que chegaram da fronteira
        dizem que não há lá sinal de Bárbaros.

E agora, que vai ser de nós sem os Bárbaros?
Essa gente era uma espécie de solução.

                                                         
 [Antes de 1911]






constantino cavafy
90 e mais poemas
trad. jorge de sena
edições asa
2003




26 agosto 2010

konstandinos kavafis / a cidade

Dizes: vou partir
Para outras terras, para outros mares
Para uma cidade tão bela
Como esta nunca foi nem pode ser
Esta cidade onde a cada passo se aperta
O nó corredio: coração sepultado na tumba de um corpo,
Coração inútil, gasto, quanto tempo ainda
Será preciso ficar confinado entre as paredes
Das ruelas de um espírito banal?
Para onde quer que olhe
Só vejo as sombras ruínas da minha vida.
Tantos anos vividos, desperdiçados
Tantos anos perdidos.


....................................................................................................



Não existe outra terra, meu amigo, nem outro mar,
Porque a cidade irá atrás de ti; as mesmas ruas
Cruzam sem fim as mesmas ruas; os mesmos
Subúrbios do espírito passam da juventude à velhice,
E tu perderás os teus dentes e os teus cabelos
Dentro da mesma casa. A cidade é uma armadilha.
Só este porto te espera,
E nenhum navio te levará onde não podes.
Ah! então não vês que te desgraçaste neste lugar miserável
E que a tua vida já não vale nada,
Nem que vás procurá-la nos confins da terra?






konstandinos kavafis
justine, lawrence durrell
tradução daniel gonçalves
ulisseia
2007







26 novembro 2009

konstandinos kavafis / páginas íntimas





Nunca vivi no campo. Como outros, nem sequer a planície visitei, a não ser por curtos períodos de tempo. Não obstante escrevi um poema sobre o campo e dei-lhe aquilo que os meus versos lhe devem. Esse poema pouco vale. Nada existe menos sincero do que ele; uma total mentira.

Agora ocorre-me, porém, o seguinte: tratar-se-á, realmente, de uma falta de sinceridade? Não estará a arte sempre a mentir? Melhor dizendo, não será ela tanto mais criativa quanto mais mente? Quando escrevi aqueles versos, não estariam a ser produto da arte? (Não serem perfeitos talvez se não deva a uma falta de sinceridade, pois muitas vezes falhamos tendo por matéria-prima a mais sincera das impressões.) Na altura em que fiz aqueles versos haveria em mim sinceridade artística? Não estaria eu a pensar de uma forma que era como se vivesse, de facto, no campo?







konstandinos kavafis
kavafis páginas íntimas
trad. joão carlos chainho
hiena editora
1994



19 janeiro 2009

konstandinos kavafis / velas







Temos à frente os dias do futuro
como uma fila de velas acesas –
quente e vivas e douradas velas.

Ficam atrás os dias passados,
fileira triste de velas sem chama:
ainda sobe fumo das que estão mais perto,
vergadas pelas frias que já se apagaram.

Eu não quero vê-las: tanto me entristece o seu ar de agora
como relembrar o fulgor antigo.
Olho à minha frente as velas acesas.

Não vou voltar-me nem vou ver num arrepio
como cresce tanto a fileira escura,
como é tão veloz o apagar das velas.






konstandinos kavafis
kavafis páginas íntimas
trad. joão carlos chainho
hiena editora
1994







03 setembro 2008

konstandinos kavafis / deus abandona antónio

Quando bruscamente, nas trevas da noite,
Ouvires passar o tropel invisível das vozes puras,
O coro celeste das sublimes harmonias,
Abandonado definitivamente pela fortuna,
Desfeitas em pó as últimas esperanças,
Esvaída em fumo uma vida de desejo.
Ah! não sucumbas lastimando um passado
Que te traiu, mas como um homem
Que se prepara há muito tempo,
Despede-te corajosa mente
De Alexandria que te abandona.
Não te deixes iludir e não digas
Que foi sonho ou um logro dos teus sentidos,
Deixa as súplicas e os lamentos para os poltrões,
Abandona vãs esperanças.
E como um homem que se prepara há muito tempo,
Resignado, altivo, como te compete
E a uma cidade como esta,
Abre a janela e olha para a rua
E bebe a taça inteira da amargura
E a derradeira embriaguez da multidão mística
E despede-te de Alexandria que te abandona.







konstandinos kavafis
justine, lawrence durrell
tradução daniel gonçalves
ulisseia
2007






16 fevereiro 2007

no mesmo espaço




Ambiente da casa, dos cafés, do bairro
que vejo e percorro: ano após ano.

Criei-te de alegrias e tristezas:
de tantas circunstâncias, tantas coisas.

E já não és senão como te sinto.

(1929)







constantino cavafy
90 e mais poemas
trad Jorge de Sena
edições asa
2003