A tua ausência é na minha vida
o buraco na ponte onde pensava
apenas oscilando
transitar a velhice.
Posso, por ele debruçando-me, sentir o precipício
o rochoso recorte das grutas esverdeadas
o contacto da pedra na aresta do crânio
poroso no engaste que liga as duas têmporas,
aberta melancia partida na talhada
renda velha que esgarça na toalha de altar.
A luz que banha a rocha espraia
reflexo rápido que nos cruza a pupila,
o mesmo projector que varre uma prisão,
a espada que se enterra no cachaço do touro
deixando um pré-aviso
que cintila no ar como um cristal de neve
destruindo a sóbria anatomia de nervos e sistemas,
a estrutura da folha que existe sepultada
por baixo de uma pele, seja de boi ou lama,
a concha que repete os dois ou três modelos
que existem renovando-se.
E mesmo assim prossigo
rasando a perspectiva,
gangrenam-se-me os pés,
partindo-se aos bocados
ouço bater os ossos
na crista dos rochedos.
O cérebro envolvido por folha rendilhada,
guardado no abrigo sangrento do herbário,
rolando por montes e por fragas
deixa-me pensamentos espalhados como amoras.
Suspensos nos espinhos das sebes poeirentas
ficam os raciocínios à espera que os pardais
caindo de repente em bandos destemidos
lhes venham debicar ideias comatosas
secando já nas bagas da sua exactidão.
Nos bicos acerados resta o mercúrio das gotas
da lógica que escorre em fios de ovos metálicos
sobrando dos conventos que abrigam destroços
dos módulos lunares.
Sentada na areia
coalhada de limalha
como os restos caídos da bigorna
que o ferreiro afasta para o lado
sinto o desejo amargo de te contar o sonho
em que a comida gelando no meu prato
me afasta da ideia que possa saciar-me.
sem rasto
signo dos peixes
averno
2021
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