SOBRE as palavras, sua importância e oportunidade,
seu valor, bastas vezes me tenho detido.
No próprio acto de escrever (como as palavras,
afinal, é que o permitem) esta reflexão de acode e me peia tanta vez: a
linguagem antecede ou sucede o pensamento? que parte faz dele?
Nem a mim própria me pareça tola a minha pergunta!
A linguagem aflui-nos, ou vem-nos num certo
encadeamento mental em que nos envolvemos, em que penetramos, como um surto
natural, mais ou menos fácil, do espírito. (Lembremo-nos dos faladores
solitários, faladores sem ouvintes.) E assim, sobre uma rápida, esporádica ou
fugidia ideia, qualquer ideia ou sensação – tão difícil é desembaraçar estas
daquelas! – as palavras entram num jogo de certa independência, mudas ou
articuladas, ou até mesmo gesticuladas e vagas, sobrepondo-se à tal coisa
(ideia ou sensação), perseguindo-a e fugindo-lhe e enredando-se nela…
confundindo-se e dilatando-se à custa dela, a ponto de a afogarem, não poucas
vezes… de a excederem!
É que as palavras têm espírito e vida por si
próprias. O que tão bem se patenteia musical e sentimentalmente no verso. Um
espírito que arrasta e sujeita os seus forçados manejadores, mau grado o desejo
de supremacia e de domínio da parte destes.
Mercê das palavras usadas se salta de um para outro
lado… Chegando nós a tornar-nos confusos e prolixos, pouco substanciosos,
acorrentados àquele tal sortilégio.
Mas é amor o que as palavras em nós despertam! Um
gosto de as seguir, de as explorar e até de as esperar pacientemente para que
qualquer coisa interior, nossa, saia do seu limbo.
E não serão elas próprias que a criam,
frequentemente?
irene lisboa
da estrela
solidão II
portugália editora
1966
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