Já não há papéis,
não há papéis daqueles que viravam a minha alma
do avesso,
que me esgotavam de vez as lágrimas.
Estou farta desta vida, vou fugir para o campo.
Afogamo-nos no sempapelismo.
Maldita seja a união dos escritores,
não os Escritores.
Os clássicos estão encharcados como um piquete
de bombeiros.
Pois não sabiam eles de Hiroxima,
da guerra de Espanha, do ano de 1937
na Rússia, de todas as nossas dores?
Não me digam que isto era impossível de contar…
E sem bons papéis ficamos sem bússola:
tu sabes como o Universo é pavoroso.
Quando qualquer coisa desliza pelo céu
não haverá saída para essa coisa?
Faz favor, dá-me o meu bem-estar.
E papéis para a esquerda,
papéis para a direita…
Eu bebo,
bebo sem vontade, é certo,
mas que querem que faça
quando não há gente, não há papéis que prestem?
e com que copo – não sei.
Não há papéis que prestem.
do grande Volga.
Não há papéis que prestem.
E em Fátima camponeses beijam Nossa Senhora,
Madona de pedra e dor.
Não há papéis que prestem.
e bateram nele como se fosse um bombo.
Não há papéis que prestem.
mas alguém grita para o juiz.
Onde? No futebol!
E sem bons papéis a vida é podridão, mais nada.
mas muitos génios possíveis morreram
à falta de bons papéis.
Eu não exijo o sangue de ninguém –
exijo um papel que preste!
ievtuchenko em lisboa (1967)
dom quixote
1968
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