Nos meus tempos mortos, ensino uma estátua a andar.
Dada a sua imobilidade exageradamente prolongada, não é nada fácil. Nem para
ela. Nem para mim. Dou-me conta de que uma grande distância nos separa. Não sou
tão imbecil que não me dê conta disso.
Mas não se pode ter todas as boas no nosso jogo. Ou
então, adiante.
O que interessa é que o seu primeiro passo seja
bom. Para ela, tudo reside nesse primeiro passo. Bem sei. Sei disso muito bem. Daí
a minha angústia. Por conseguinte, aplico-me. Aplico-me como jamais o fiz.
Coloco-me junto dela de modo rigorosamente
paralelo: o pé, como ela, levantado e rígido tal estaca enterrada na terra.
Porém nunca é exactamente igual. Ou o pé, ou a
curva, ou o porte, ou o estilo, há sempre qualquer coisa que falha e o tão
esperado arranque não pode ter lugar.
É por isso que cheguei a um estado em que eu
próprio já quase não consigo andar, tomado de uma rigidez, todavia toda feita
de impulso, e o meu corpo fascinado faz-me medo e já não me leva a parte
nenhuma.
henri
michaux
aparições (1946)
antologia
trad. margarida vale de gato
relógio d´água
1999
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