14 maio 2022

miguel torga / desfecho

 
 
Não tenho mais palavras.
Gastei-as a negar-te…
(Só a negar-te eu pude combater
O terror de te ver
Em toda a parte.)
 
Fosse qual fosse o chão da caminhada,
Era certa a meu lado
A divina presença impertinente
Do teu vulto calado
E paciente…
 
E lutei, como luta um solitário
Quando alguém lhe perturba a solidão.
Fechado num ouriço de recusas,
Soltei a voz, arma que tua não usas,
Sempre silencioso na agressão.
 
Mas o tempo moeu na sua mó
O joio amargo do que te dizia…
Agora somos dois obstinados,
Mudos e malogrados,
Que apenas vão a par na teimosia.
 
 
 
miguel torga
câmara ardente
1962




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