1930
Domingo, 13
de Abril
Li Shakespeare imediatamente
após ter acabado de escrever, quando a minha mente está boquiaberta, ao rubro e
fogosa. Então é assombroso. Nunca tinha percebido ainda quão surpreendente é o
seu alcance, velocidade e capacidade de cunhar palavras, até sentir como me
deixa completamente para trás e vence a minha, parecendo começar a par, e
depois vejo-o adiantar-se e fazer coisas que não poderia imaginar na minha mais
desenfreada agitação e máxima pressão mental. Mesmo as menos conhecidas e
piores das suas peças são escritas a uma velocidade que é mais rápida do que a
mais rápida de qualquer outra pessoa; e as palavras derramam-se tão depressa
que não nos é possível recolhê-las. Evidentemente a flexibilidade da sua mente era
tão completa que ele podia polir qualquer sequência de pensamentos; e, ao
relaxar, deixar cair uma chuva dessas flores desconsideradas, para quê, então,
qualquer outra pessoa tentar escrever? Isto não é “escrever” de todo. De facto,
podia dizer que Shakespeare supera completamente a literatura, que soubesse o
que queria dizer.
virgínia
woolf
diários
trad. de jorge vaz de carvalho
relógio d´água
2018
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