08 outubro 2018

miguel-manso / lamento londrino





passaram anos sem ter servido à poesia
porque é que agora volto ali?

Londres era, palavra, aquele mesmo nevoeiro
fastidioso, uma morrinha triste como se espera que seja
eu muito novo ainda para saber conciliar a acne
do rosto com a dolência da alma com que acudia
sobre a cama do hotel (colcha amarela, descosida, desmaiada)
a um disco insuportável do Choen: Live Songs, 1973

é fácil perceber agora o porquê de ter repetido
tantas vezes aquele Minute Prologue
dava corda à melancolia, era cedo e tarde para
tanta coisa, e naquele tempo eu tinha a convicção de ser
a pessoa menos contemporânea de mim mesmo

a noite, uma ambulância, o vidro molhado
da janela do quarto onde as imagens nebulosas do dia
nunca se fixavam

terei tentado o choro, o suicídio?
nada, nem um cigarro

viajava, que extravagância, com os meus pais
a autonomia e o inglês rudimentares
coragem nenhuma para ir socorrer sozinho



miguel-manso
mortel
do lado esquerdo
2018







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