04 março 2016

david mourão-ferreira / presídio



Nem todo o corpo é carne … Não, nem todo,
Que dizer do pescoço, às vezes mármore,
às vezes linho, lago, tronco de árvore,
nuvem, ou ave, ao tacto sempre pouco …?

E o ventre, inconsistente como o lodo? …
E o morno gradeamento dos teus braços?
Não, meu amor … Nem todo o corpo é carne:
é também água, terra, vento, fogo …

É sobretudo sombra à despedida;
onda de pedra em cada reencontro;
no parque da memória o fugidio

vulto da Primavera em pleno Outono …
Nem só de carne é feito este presídio,
pois no teu corpo existe o mundo todo!



david mourão-ferreira
obra poética
editorial presença
1996



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