(1)
Nesse tempo estava eu na adolescência
Tinha apenas dezasseis anos e já não me lembrava
da minha infância
Estava a 16.000 léguas da terra onde nascera
Estava em Moscovo, na cidade dos mil e três
campanários e das sete
estações de caminho
de ferro
Mas não estava farto das sete estações
e das mil e três torres
Porque a minha adolescência era tão ardente
e tão louca
Que o meu coração ardia, alternadamente, como
o templo de Éfeso ou a Praça
Vermelha
de Moscovo
Quando o sol se põe.
E os meus olhos iluminavam caminhos antigos.
E era já tão mau poeta
Que não sabia ir até ao fim.
O Kremlin era como um imenso bolo tártaro
Coberto de ouro,
Com as grandes amêndoas das catedrais muito
brancas
E o ouro meloso dos sinos…
Um velho monge lia-me a velha lenda de Novgorode
Eu tinha sede
E decifrava caracteres cuneiformes
Depois, subitamente, os pombos do Espírito-Santo
levantavam voo na praça
E as minhas mãos voavam também, com sussurros
de albatroz
Eram as últimas reminiscências do último dia
Da última viagem
E do mar.
(…)
blaise cendrars
prosa do transiberiano e da
joaninha de frança
poesia em viagem
trad. liberto cruz
assírio & alvim
1974
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