A cidade de Sofrónia compõe-se
de duas meias cidades. Numa iça a grande montanha russa de íngremes bossas, o carrossel
com a sua auréola de correntes, a rode das gaiolas giratórias, o poço da morte
com os motociclistas de cabeça para baixo, a cúpula do circo com o cacho dos
trapézios a pender ao meio. A outra meia
cidade é de pedra e mármore e cimento, com o banco, os opiários, os prédios, o
matadouro, a escola e tudo o resto. Uma das meias cidades está fixa, a outra é
provisória e quando acaba o tempo da sua estadia despregam-na, desmontam-na e
levam-na dali para fora, para a enxertar nos terrenos vagos de outra meia
cidade.
Assim todos os anos chega o
dia em que os operários destacam os frontões de mármore, deitam abaixo as
paredes de pedra, os pilares de cimento, desmontam o ministério, o monumento,
as docas, a refinaria de petróleo, o hospital, e carregam-nos em reboques de
grandes camiões para seguirem de praça e praça o itinerário de todos os anos. Aqui
fica a meia Sofrónia das barracas de tiro ao alvo e dos carrosséis, com o grito
suspenso da naveta da montanha russa do avesso, e começa a contar quantos
meses, quantos dias deverá aguardar antes eu retorne a caravana e recomece a
vida inteira.
Ítalo
calvino
as
cidades invisíveis
trad. josé colaço barreiros
teorema
1999