Já não te amo como no primeiro dia. Já não te
amo.
No entanto continuam em volta dos teus
olhos, sempre, estas imensidades que rodeiam o
olhar e esta existência que te anima no sono.
Continua também esta exaltação que me vem
por não saber o que fazer disto, deste conheci-
mento que tenho dos teus olhos, das imensidades
que os teus olhos exploram, por não saber o que
escrever sobre isso, o que dizer, e o que mostrar
da sua insignificância original. Disso, sei apenas o
seguinte: que já não posso fazer nada a não ser
suportar esta exaltação a propósito de alguém
que estava ali, de alguém que não sabia que vivia
e de quem eu não sabia que vivia, de alguém que
não sabia viver dizia-te eu, e de mim que o sabia
e que não sabia que fazer disso, desse conhe-
cimento da vida que ele vivia, e que também não
sabia que fazer de mim.
Dizem que o tempo do pleno verão já se anun-
cia, é possível. Não sei. Que as rosas já ali estão,
no fundo do parque. Que às vezes não são vistas
por ninguém durante o tempo da sua vida e que
ficam assim ali no seu perfume esquartejadas
durante alguns dias e que depois se deixam cair.
Nunca vistas por esta mulher solitária que
esquece. Nunca vistas por mim, morrem.
Estou num amor entre viver e morrer. É atra-
vés desta ausência do teu sentimento que reen-
contro a tua qualidade, essa, precisamente, de me
agradares. Penso que apenas me interessa que a
vida não te deixe, outra coisa não, o desenvolvi-
mento da tua vida deixa-me indiferente, não
pode ensinar-me nada sobre ti, só pode tornar-
-me a morte mais próxima, mais admissível, sim,
desejável. É assim que permaneces face a mim, na
doçura, numa provocação constante, inocente,
impenetrável.
E tu não sabes.
marguerite duras
textos secretos
trad. tereza coelho
quetzal
1999