Acabado de vir da chuva, perguntaste-me quanto era um côvado. Pensei que o assunto em questão fosse amor. Mas era uma arca que estavas a construir, pequena, só para ti. billy collins a aranha irlandesa & outros
poemas, trad. francisco José craveiro de carvalho do lado esquerdo 2023
A pequena nudez aborrece-se no seu painço barco ruço Deita-se como o mar como os seus cabelos Pede à chuva e à bonança um ramalhete de serras aguçadas e uma corda de evangelho com altos círios caseiros É duma juventude e duma beleza tal que a fuligem grande marota se abeira dela com as mãos de cisne lavados pelo álcool limpo e pelos ventos Mas a chuva sorri à bonança que afaga o pêlo das montanhas e ambos se entendem para afugentar os vales que vivem de folhas e de poeira de pedras e de paus benjamin péret sol de bolso uma antologia de poemas trad. regina guimarães contracapa 2023
Pedra a pedra e pé a pé E coração a coração e cabeça a cabeça Os dias bons passaram Fio a fio e folha a folha E um a um e só a só Os dias são bons e não passam Grão a grão corpo a corpo E flanco a flanco e mão a mão Só alguém muito astuto ganhará a batalha Pedra a grão e só a um E de mão no coração e cabeça no coração O amor é vasto como o mundo. robert
desnos luto por luto / poemas trad. diogo paiva sr teste edições 2022
O meu amigo o pintor diz-me Se eu pinto É porque não quero mais ver Viva a cegueira É com os meus olhos que eu pago Por cada imagem A minha morte era a minha infância A câmara escura A luz debaixo da porta Esperar a erupção Terror branco Como pôr a minha noite ao abrigo do dia A morte a figura imposta a vida as figuras livres Deixa-me claridade viver na tua sombra Privado de mim nas minhas zonas patogénicas heiner müller poemas (1949-1995) trad. adolfo luxúria canibal oficina noctua 2021
Aqueles que degolados atrás de ti à tua volta em ti
e para ti tornaram-se
nuvens portadoras de chuvas Chuva de que a terra se veste Ararat orquestra para os continentes de música de
canto de poesia e
de dança de escultura e de pintura horizontes e do mais
longínquo quem pergunta Serás tu outro para gostar de dizer a esse outro: Tu és eu. adonis arco-íris do
instante antologia
poética tradução de nuno júdice dom quixote 2016
Tenho à mostra as coisas que deveria esconder, o mais íntimo e obscuro. E não só me podem ver o esqueleto, tenho à mostra também a alma inteira. amalia bautista trevo tradução de inês dias averno 20212
Não sei onde as gaivotas fazem ninho, onde encontram a paz. Sou com elas, em perpétuo voo. Raso a vida como elas rasam a água em busca de alimento. E amo, talvez, como elas, o sossego, o grande sossego marinho, mas o meu destino é viver faiscando na tempestade. vincenzo cardarelli dez poetas italianos
contemporâneos trad. de albano martins dom quixote 1992
De manhã, o mar parecia saltar de dentro das nuvens, como se não fosse ele que as reflectisse. Depois, o sol restabeleceu a ordem das coisas, o prumo voltou a in- dicar o alto e o baixo, e até o ruído das ondas deixou de nos submergir com a sua insistência, deixando ouvir de novo o bater dos toldos com o vento, os gritos de um bando de gaivotas, e a tua voz, atravessando toda a memória deste dia. nuno júdice a fonte da vida quetzal 1997
II Em cada braço uma herança de horizonte desde o naufrágio de um eco em cada árvore trago-me no sol à hora dos contornos no sol a voz é mais difícil o tempo mais ausente trago um filho que parte o caule às estrelas é louco e sofre e parte o caule às estrelas Tragicamente o sol põe luz nos braços A morte é uma feira aberta em lua luizaneto jorge os sítios sitiados poesia assírio & alvim 1993
é no meu corpo que morreste. agora temos o tempo todo ao nosso lado, como um lodo onde dormitam as conhecidas maneiras. algumas nuvens se aproximam, e depois se afastam, numa duvidosa manifestação de imperícia; os animais falantes atravessam corredores iluminados, embarcam na sossegada lembrança dos sonetos, o leve sono que pesou no dia. é no meu corpo que morreste, agora. antónio franco alexandre a pequena face assírio & alvim 1983
6. Um poema é uma coisa muito pouca quando o termo de comparação é uma bicicleta, um chão de terra batida e umas pernas que esqueceram a preguiça há duas ruas atrás. Já é sabido o problema dos triângulos no que toca à antropologia. O dois é o número dos mínimos agradáveis condescendente com a exploração das pérolas e das flores nocturnas que se vão encontrando por engano no peito dos pais e nas mãos dos matemáticos. Um poema é uma coisa muito pouca para quem anda indeciso entre os números e a hermética, os sonhos e os tremores, as palavras e o suicídio, uma criança triste e a felicidade de uma espécie inteira. leonor castro nunes emarcos foz a bifurcação dos ossos do lado esquerdo 2016
Quando os peixes se revoltam, o mar solta as marés vivas e fica na praia a ver. * Cuando los peces se sublevam El mar suelta las mareas vivas Y queda viendo en la playa. albano martins desta varanda, o mar tradução para castelhano de alfredo pérez alencart edições simplesmente 2014
(Paul Strand. Wall Street. 1915) Cinge com a geometria da ferida das ruas os seus habitantes as cidades arrebatam as distâncias e as vontades são escuros os passos no dia que começa certos da igualdade dos dias a morte é uma sombra que amarra cada jornada para a cidade são apenas vultos que procuram onde passam o calor de uma luz trazem de casa todo o espaço que podem. antónio amaral tavares retratos de nova iorque do lado esquerdo 2018