Mostrar mensagens com a etiqueta billy collins. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta billy collins. Mostrar todas as mensagens

07 dezembro 2023

billy collins / aranha irlandesa

 
 
Valeu bem a pena viajar até aqui
apenas para me sentar numa caixa de luz do sol
junto a uma janela de uma casa de campo
 
com uma chávena de chá a fumegar
e observar uma aranha irlandesa à espera
no centro da sua teia orvalhada
 
fingindo ser uma aranha qualquer –
uma aranha sem país –
mas nem por um minuto me enganando.
 
 
 
billy collins
a aranha irlandesa & outros poemas,
trad. francisco José craveiro de carvalho
do lado esquerdo
2023




11 outubro 2023

billy collins / o papel da poesia

 



 
Acordei cedo numa terça-feira,
fiz uma cafeteira de café para mim,
fui de carro até à aldeia,
parando no correio,
a seguir no banco, onde descontei um pequeno cheque
de uma revista, e quando voltei para casa
li o jornal um bocado,
começando pela secção de ciência,
bebi outro café e comi uma tigela de cereais.
 
Daí a pouco era hora de almoço.
Não tinha fome nenhuma
mas parei por um momento
a olhar pela grande janela da cozinha
e foi então que percebi
que o papel da poesia é recordar-me
que há muito mais na vida
do que aquilo que faço habitualmente
quando não estou a ler ou a escrever poesia.
 
 
 
billy collins
a aranha irlandesa & outros poemas,
trad. francisco josé craveiro de carvalho
do lado esquerdo
2023




19 maio 2021

billy collins / as cadeiras em que ninguém se senta

 
 
 
Vêem-se em varandas e em relvados
mesmo à beira do lago,
geralmente dispostas em pares indicando que um casal
 
se poderá sentar ali e olhar para
a água ou para as grandes árvores frondosas.
O problema é que nunca se vê ninguém
 
sentado nessas cadeiras abandonadas
embora a dada altura deva ter parecido
um bom lugar para parar e não fazer nada por um momento.
 
Às vezes há uma pequena mesa
entre as cadeiras onde ninguém
deixou um copo pousado ou um livro com a capa para baixo.
 
Posso não ter nada com isso,
mas suponhamos haver um dia
em que todos os que colocaram essas cadeiras vagas
 
numa varanda ou num cais se sentariam nelas
nem que fosse para se lembrarem
daquilo que achavam que valia a pena
 
ser contemplado das duas cadeiras
lado a lado com uma mesa pelo meio.
As nuvens estariam altas e imponentes nesse dia.
 
A mulher descola o olhar do seu livro.
O homem toma um gole da sua bebida.
E ouve-se apenas o som do seu olhar,
 
o marulhar da água do lago, e o canto de um pássaro
depois de outro, gritos de alegria ou de aflição —
o tempo vai passando enquanto se percebe qual.
 
 
 
billy collins
amor universal
trad. ricardo marques
averno
2014





23 outubro 2020

billy collins / filho único

 
 
Eu nunca desejei um irmão, menino ou menina.
Centro do universo,
sempre tive a parte de trás do carro dos meus pais
só para mim. Podia olhar por uma janela,
deslizar depois para a outra janela
sem qualquer discussão sobre direitos territoriais,
e sempre que jogasse um jogo
no chão do meu quarto, era sempre a minha vez.
 
Só quando os meus pais fizeram 90 anos
é que eu ansiei por uma irmã, uma enfermeira a quem chamei Mary,
que trabalharia num hospital
a cinco minutos da casa deles
e que largaria tudo,
inclusive o termómetro, sempre que eu ligasse.
‘Estou lá num instante’ e ‘A caminho!’
seriam duas das suas, e das minhas, expressões preferidas.
 
E agora que os meus pais estão mortos
gostaria de poder encontrar a Mary para tomar café
de vez em quando naquele sítio italiano
com o toldo azul onde nos sentaríamos
a pensar na vida, mesmo em dias chuvosos.
Eu olharia para os seus olhos verdes
e veria os meus pais, a minha mãe espiando
pelo olho direito de Mary e o meu mirando pelo olho esquerdo,
o que me lembraria o patinho feio que
eu era em criança, um principezinho e um solitário
que ao sábado se afastava do seu grupo de amigos
para encontrar uma sebe onde se esconder.
E eu também falaria disto tudo a Mary
e nunca a envergonharia perguntando sobre
a sua inexistência, e talvez
tomássemos outro café, comêssemos um bolo
e eu sempre pagaria a conta e levá-la-ia a casa.
 
 
  
 
billy collins
trad. ricardo marques e ricardo vasconcelos
lisbon revisited
dias de poesia
casa fernando pessoa
2019






04 maio 2020

billy collins / depois de amanhã



Se tivesse de escolher um favorito
dentre os quatro heterónimos de Fernando Pessoa,
teria de ser Álvaro de Campos,
escolhido para o papel de Sensacionista Cansado.

Esta manhã nada acontece de especial,
só a gata enrolando-se novamente numa cadeira
e a água para o chá a começar a ferver –
uma cena que o Álvaro teria achado inteiramente suficiente,

ele que não começou nem terminou nada,
que prefere a janela
à porta, o amanhã ao hoje
ou melhor ainda, o depois de amanhã,

essa cidadela de quietude, intocada
pela ambição ou o trabalho, sem mácula sequer
de uma mão a aproximar a agulha de um disco
ou deslocando uma cadeira do pátio para o sol.

Sim, gosto do Pessoa sonhador
que evita os eléctricos e os mercados,
e que, como um floco de neve, quase nem existe,
mas isso não significa que não goste dos outros.

Agora mesmo, na janela das traseiras,
os quatro Pessoas perseguem-se uns aos outros
à volta de uma grande árvore, segurando os seus chapéus,
cada um deles vestido de forma mais extravagante

que o outro. Acima deles um céu pálido,
nuvens brancas como barcos à vela sobre Portugal.
Consigo ver tudo desde o meu sofá onde
toco algumas melodias tristes no flautim.

Entretanto, a água para o chá evaporou-se no ar,
e a coroa de chamas queima apenas a chaleira,
e a gata mudou de lugar.
Ela adora a cama por fazer, os lençóis montanhosos.




billy collins
trad. ricardo marques e ricardo vasconcelos
lisbon revisited
dias de poesia
casa fernando pessoa
2019