Ai dele que tanto lutou e afinal 
está tão só. Tão sòzinho. Chora. 
Direcção da Companhia Tantos de Tal. 
Cincoenta e três anos. Chove, lá fora.
Chora, porquê? Ora, chora. 
Uma crise de nervos, coisa passageira. 
É, talvez, pela mulher que o adora? 
(A êle ou à carteira?)
Seis horas. Foi-se o pessoal. 
O homem que venceu está sòzinho. 
Mas reage: que diabo. Afinal...
E olha para o cofre cheínho.
Sim estou só ainda bem porque
não? ele diz 
batendo com os punhos na mesa. 
Lutei e venci. Sou feliz 
E bate com os punhos na mesa.
Seis e meia. Ó neurastenia 
o homem que venceu está de borco 
e sente uma grande agonia 
que afinal é da carne de porco 
que comeu no outro dia.
É da carne de porco ele diz 
vendo a chuva que cai num saguão. 
É da carne de porco. Sou feliz. 
E ampara a cabeça com as mãos.
Durante toda a vida explorou o semelhante. 
Por causa dele arruinaram-se uns cem. 
Agora, tem medo. E o farsante 
diz que é feliz diz que está muito bem.
Sim, reage. Que diabo. Terei
medo? 
E vê as horas no relógio vizinho. 
Mas, ai, não é tarde nem cedo. 
Ele, que venceu, está sòzinho.
Venceu quem? Venceu o quê? Venceu os outros 
Os outros, os que o queriam vencer! 
Arruinou-os, matou-os aos poucos. 
Então não o queriam lá ver?
Sim, reage: Esta noite a Leonor 
amanhã de manhã o Sàlemos 
e depois? Ah o novo motor 
veremos veremos veremos
Mas pouco do que diz tem sentido. 
Tudo hoje lhe é vago uniforme miudinho. 
O homem que venceu está vencido. 
O dinheiro tapou-lhe o caminho.
Os filhos? esperam que êle morra. 
A mulher? espera que êle morra. 
O sócio? Pede a Deus que êle morra! 
Só a Anita não quer que êle morra! 
Ai, maldita carne, murmura 
vendo a água que há no saguão. 
Tinha demasiada gordura! 
E veste o casaco e o gabão.
Passa os olhos pelo lenço. Acabou-se. 
Vai sair. Talvez vá jantar? 
É inverno. Lá fora, faz frio.
O homem que venceu matou-se 
na margem mais escura do rio 
ao volante dum belo Packard
mário cesariny
nobilíssima visão
assírio & alvim
1991