O esquecimento é a minha pátria vigiada e ainda tive um país mais vasto
e desconhecido.
Regressei no meio de um silêncio de pálpebras àqueles bosques em
que fui perseguido
por pressentimentos e propostas de homens
enfermos.
É aqui onde o medo vê a força do teu rosto: a tua realidade no
desaparecimento
(que se estendia como chuva no fundo da noite; mais lenta que a
tristeza, mais
húmida que lábios sobre o meu corpo).
Eram os dias grandes da traição.
Alimentava-me a fosforescência . tu criaste a mentira entre as per-
nas da minha mãe;
não existia a dor e tua criaste a compaixão.
Tu voltavas às hortênsias
e soluçaste debaixo da lente dos comissários.
Eu vi a luz da inutilidade.
A minha boca é fria nas preces. Este relato incompreensível é o que
resta de nós. A traição
prospera em corações invioláveis.
Profundidade da mentira: todos os meus actos no espelho da mor-
te. E os carvões
resplandecem sobre a pele de heróis ainda des-
pertos no umbral
da imbecilidade.
E esse alarido entre cristais, essas feridas que não são visíveis senão
no instante do
amor…
Que hora é esta, que erva cresce na nossa juventude?
antonio gamoneda
descrição da mentira
trad. vasco gato
quasi
2003