O Pai Natal nada tem a ver com o nascimento de Cristo, e a Igreja Católica opôs-se durante muito tempo a esta personagem. Entre os crentes era o Menino Jesus quem trazia as prendas às crianças na noite de Natal. Segundo Francisque Sarcey (Annales de 22 de Dezembro de 1889), as crianças «vêem-no atravessar o ar, comprimindo no peito mãos cheias de bolos e de brinquedos: sentem-no acima deles, muito bom e muito justo; e dizem que com Ele é preciso portar-se bem, senão... os sapatos ficarão vazios». Mas esta imagem não se impôs realmente, e a Igreja, que não conseguia impedir a progressão do Pai Natal de manto vermelho, barba branca e grande saco, recuperou-o, fazendo dele o fiel mensageiro do Menino Jesus e o fundador de uma moral simples da retribuição.
No mês de Dezembro, os jornais abrem tradicionalmente uma rubrica para as consoadas. Sugerem aos leitores ideias para prendas, muitas das quais são especificamente femininas: canapés, «ouvragères» (pequenos móveis contendo o necessário para a costura), «esses pequenos nadas de toucador», papéis de carta de cor, perfumados e encerados, cartões de visita com ornamentos de fantasia. Fala-se, a propósito de tal ou tal objecto, de «bonita prenda para oferecer a uma mulher»; nunca tal se dirá de um objecto destinado a um homem. A categoria das prendas tipicamente masculinas não existe no século XIX. Quando muito, são citados, aqui e ali, objectos necessários «para Homens e para Senhoras». O que não significa que os homens não recebessem prendas, mas não se falava nisso.
Para as crianças, em 1836, a prenda mais requintada é um teatrinho: «Um espectáculo asiático que representa uma dança de corda simulada por pequenas personagens de papel que se fazem mover sem ajuda aparente». Outros brinquedos são propostos porque procuram reproduzir a realidade: o moinho com água verdadeira, os pássaros que cantam, as bonecas «casadoiras» dotadas de enxovais completos. Durante muito tempo as bonecas mantêm-se um valor certo. Os ursos de peluche aparecem no início do século XX. Teddy, o urso americano, data de 1903; Martin, o urso francês, de 1906.
Segundo o Larousse du XIX’ siêcle, se as prendas destinadas às crianças seguem os caprichos da moda, a tendência recente é cultural: «Os livros belos e bons tendem progressivamente a substituir as caras inutilidades, nesta solenidade do primeiro de Janeiro». Há que ter em conta o entusiasmo do dicionário pela pedagogia e pelo progresso, mas é verdade que, de uma ponta do século à outra, os jornais aconselham a oferta de livros e fornecem bibliografias (ver, por exemplo, La Mêre de familie, em Dezembro de 1834, e, em Dezembro de 1880, La Femnie et la Farnille, journal des jeunes personnes).
As meninas que mantêm um diário anotam as prendas que receberam ou recebem dos seus próximos. As prendas que os pais dão às crianças por ocasião das festas de fim do ano não são apenas uma fonte de prazer imediato, são também um investimento no futuro: as crianças lembrar-se-ão, terão capitalizado prazeres e guardá-los-ão na sua memória. Assim se fabrica a nostalgia dos adultos, que, por sua vez, a transmitirão aos seus filhos.
Votos e visitas de Ano Novo
Como troca das consoadas que recebem os filhos por ocasião do Ano Novo apresentam votos aos pais. Escreve Ehsabeth Arnghi a 29 de Dezembro de 1877: «Também nós fazemos consoadas para o papá, Pierre, Amélie e eu aprendemos juntos Le Petit Savoyard, e escrevemo-lo numa bela folha; depois aprendi um fragmento a duas mãos, e um outro a quatro mãos, que vou tocar com a mamã; Amélie aprendeu um fragmento a quatro mãos que vai tocar comigo».
No primeiro dia do ano devem apresentar-se os votos aos parentes próximos: pai, mãe, tios e tias, irmãos e irmãs. A véspera é reservada aos avós e aos superiores. Os oito dias seguintes são para os primos e outras pessoas aparentadas, a quinzena para os íntimos, o mês inteiro para os simples conhecimentos. Eis o que representa um número considerável de visitas a fazer e de cartões de votos a escrever.
É por isso, para evitar deslocar-se demasiado, que as pessoas se contentam muitas vezes em mandar, quer por um criado, quer pelos serviços de uma empresa que é paga para tal, entregar um cartão a casa das pessoas a quem se apresentam votos. Le Figaro de 24 de Dezembro de 1854 sublinha o paradoxo deste costume parisiense. As pessoas que recebem estes cartões afectam desprezar «esta atenção a trezentos francos a centena». Mas se alguém se dispensa de o fazer eles mesmos dirão: «Fulano não sabe viver: nem sequer me mandou um cartão no dia de Ano Novo!».
“Os ritos da vida privada burguesa”
por Anne Martin-Fugier
História da vida privada
Sob a direcção de Philippe Ariès e George Duby
Vol. 4 “Da Revolução à Grande Guerra”
Edições Afrontamento
1990