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28 julho 2022

antónio manuel couto viana / café de subúrbio

  
2.
Choram para o chão os guarda-chuvas.
Chove e faz frio. O café está cheio.
Lento, descalço as luvas,
Pego num livro e leio.
 
É um livro de antiquada poesia:
Uns versos démodés, de um dandismo epocal,
Certa melancolia
E um satanismo gris de Flores do Mal.
 
(Café parisiense. Século XIX.
O absinto e a lavalliére.
Lá fora, como agora, chove, chove…
Ai, com que sugestões a inspiração me fere!)
 
Jovem, alguém, na mesa ao lado,
Espia-me a leitura, num sorriso de dó.
E fecho o livro, desencantado,
Com os olhos e os dedos já manchados de pó.
 
 
 
antónio manuel couto viana
as escadas não têm degraus 4
livros cotovia
janeiro 1991





 
 

06 janeiro 2022

antónio manuel couto viana / mercê

 
 
A todos chamarás amigo, irmão,
Menos a quem estenderes a tua mão.
 
Terás o mundo todo: terra e mar,
Menos a parte onde quiseres ficar.
 
Os frutos poderás colher, comer,
Menos aquele que te apetecer.
 
E haverá sonhos p’ra sonhar, fugir,
Porém, ninguém te deixará dormir.
 
Não terás nem divisas, nem bandeiras,
Mas hão-de rodear-te de fronteiras.
 
 
 
antónio manuel couto viana
no sossego da hora
1949




 

22 julho 2016

antónio manuel couto viana / café de subúrbio



1.
O café bebe leite, coca-cola
E sumos de laranja e de limão.
A adolescência, quando sai da Escola,
Invade-o de alegria e confusão.

Eu, com a minha idade e uma cerveja,
Escondo-me nas folhas do jornal,
Pra que ninguém me veja
Sem me achar natural.

E sei que já por dentro também envelheci.
E tudo quanto me destrói, agora,
É o desejo de fica aqui,
Envergonhado de não ir embora.


antónio manuel couto viana
as escadas não têm degraus 4
livros cotovia
janeiro 1991