24 maio 2025

fernando assis pacheco / cuidar dos vivos

 
 
 
Como as ordens de Sebastião José
de Carvalho e Melo no terramoto
«cuidar dos vivos, enterrar os mortos»,
digo deste amor que tive
pior que terra sacudindo-se,
 
em que morri, matei, enchi a noite
de gemidos agudos sob as pedras
(onde era a rua, gente, Alfama, pombos),
Eugénio dos Santos para riscar Lisboa.
 
Porque é preciso agora cuidar dos vivos,
pôr os mortos no seu lugar:
que não tomem o lugar dos vivos.
Abrir as janelas ao sol de Maio,
beber o sol, beber Maio e a vida.
 
Moveu-se a terra, caíram casas, largou-se
o rio Teo por Lisboa dentro.
Ó amor sepultei-te, quero um amor
mais firme do que a terra, mais veloz que o vento
uma cidade nova nos meus olhos.
 
 
 
fernando assis pacheco
cuidar dos vivos (1963)
a musa irregular
tinta-da-china
2019




 

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