18 maio 2025

antónio franco alexandre / dos jogos de inverno

 
 
 
4
 
por um pequeno buraco, como é costume, saio à superfície anónima da neve
um campo todo em si aberto um tanto à tua semelhança Tu que
não começas nem acabas Talvez um dia deixes de lado o mundo para passar
                                                                       [a outra coisa E nós
enquanto se faz tarde subimos as colinas num feérico assento
só para sentir a boa indiferença do vento
e as árvores que se afastam como arrastadas para outra noite
Tu que abriste os buracos do corpo E assim ficámos
surpresos por um rastro de gente na relva
 
ainda não é esta a devida maneira de dizer as verdadeiras coisas falsas Por exemplo
os nomes vários da luz do fim do dia
nós os mais velhos podemos exclamar acesos num entusiasmo e misturar
o passado com o futuro que só existe levemente ao lado
e adivinhar no silêncio dos barcos o disfarce do jovem herói
e bater com a sandália nas portas em sinal de grande impaciência
ainda assim continuaremos a esvaziar o poço com a canga nos ombros
senhores deste pequeno inferno de trazer pelo mundo
 
por cima o céu por mais que digam continua fixo excepto quando
na larga noite as estrelas se separam
lançadas pela pista lisa só as ouvimos cintilar
incoerentes
 
 
 
antónio franco alexandre
dos jogos de inverno
poemas
assírio & alvim
1996
 


Sem comentários: