17 abril 2019

cesare pavese / civilização antiga




É verdade que, ao olhá-lo, o dia não treme. E as casas
estão firmes, plantadas nas calçadas. O martelo
daquele homem sentado repica numa pedra
enterrada na terra mole. O rapaz que fugiu
de manhã ignora que aquele homem está a trabalhar
e pára a olhar para ele. Na rua não se trabalha.

O homem está sentado à sombra que cai do alto
duma casa, mais fresca que a sombra duma nuvem,
e não devolve o olhar, pica a pedra, alheado.
O repicar da pedra chega longe
no empedrado que o sol sombreia. Não há
rapazes nas ruas. Ele é o único
e repara que os outros são homens ou mulheres
que não vêem o que ele vê e passam rápidos.

Mas este homem está a trabalhar. O rapaz olha para ele,
hesitando à ideia de que um homem trabalhe
na rua, sentado como se fosse um pedinte.
E também os outros que passam, parecem absortos
em qualquer coisa que têm de concluir e ninguém olha
para trás ou em frente, a todo o comprimento da rua.
Se a rua é de todos, há que a gozar
e não fazer outra coisa, olhar à volta,
à sombra ou ao sol, apanhar a fresca.

As ruas escancaram-se como uma porta,
mas ninguém mete por elas. Aquele homem sentado
nem sequer se apercebe, como se fosse um pedinte,
das pessoas que de manhã vão e vêm.



cesare pavese
cidade no campo
trabalhar cansa
trad.carlos leite
cotovia
1997







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