VII
A manhã começa a bater no
meu poema.
As manhãs, os martelos
velozes, as grandes flores
líricas.
Muita coisa começa a bater
contra os muros do meu poema.
Escuto um pouco a medo o
ruído das gárgulas,
o rodopio das rosáceas do
meu
poema batido pela revelação
das coisas.
Os finos ramos da cabeça
cantam mexidos
pelo sangue.
Talvez eu enlouqueça à beira
desta treva
rapidamente transfigurada.
Batem nas portas das
palavras,
sobem as escadas desta
intimidade.
É como uma casa, é como os
pés e a as mãos
das pessoas invasoras e
quentes.
Estou deitado no meu poema.
Estou universalmente só,
deitado de costas, com o
nariz que aspira,
a boca que emudece,
o sexo negro no seu quieto
pensamento.
Batem, sobem, abrem, fecham,
gritam à volta da minha
carne que é a complicada carne
do poema.
Uma inspiração fende lírios
na minha testa,
fende-os ao meio
como os raios fendem as
direitas taças de pedra.
Eu sorrio e levo pela mão
essa criança poderosa,
Uma visita do sangue cheio
de luzes interiores.
Acompanho, como tocando uma
espécie de paisagem
levitante,
as palavras pessoas caudas
luminosas ascéticas aldeias.
É a madrugada e a noite que
rolam sobre os telhados
do poema. É Deus que rola e
a morte
e a vida violenta. E o meu
coração é um castiçal
à beira
do povo que até mim separa
os espinhos das formas
e traz sua pureza aguda e
legítima.
— Trazem liras nas mãos,
trazem nas mãos brutais
pequenos cravos de ouro ou
peixes delicados
de música fria.
— Eu enlouqueço com a doçura
dos meses vagarosos.
O poema dói-me, faz-me.
O povo traz coisas para a
sua casa
do meu poema.
Eu acordo e grito, bato com
os martelos
dos dias da minha morte
a matéria secreta de que é
feito o poema.
— A manhã começa a colocar o
poema na parte
mais límpida da vida. E o
povo canta-o
enquanto crescem os campos
levantados
ao cume das seivas.
A manhã começa a dispersar o
poema na luz incontida
do mundo.
herberto helder
poesia toda
assírio & alvim
1996
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