05 setembro 2014

josé régio / sucata




I

Fecha esses olhos, fecha-os,
Que a sua luz ofende.
Mas não! arranca-os, deixa-os
Na praça em que se vende
Toda a sucata inútil.
Quiçá os compre um velho poeta fútil.

II

A sua luza ofende, humilha.
Não compartilha
Das pequeninas luzes
Que alumiam os vários alcatruzes
De cada nova nora.
Fecha esses olhos, fecha-os, ou arranca-os, deita-os fora!
Não vês que vão perdendo todo o emprego?
Desfaz-te de eles, ─ fica cego.

III

Na praça em que se vende
Toda a sucata inútil,
Quiçá os compre um velho poeta fútil.
Já nada, a este, ofende.
Servir-lhe-ão
Talvez de claridade,
Talvez de companhia ou diversão.
Coitado! Vive ao pé da Eternidade.




josé régio
cântico suspenso
portugália editora
1968



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