31 outubro 2012

antónio josé forte / dente por dente





               Outros antes de nós tentaram o mesmo esforço: dente por dente:
  não, nunca olhar de soslaio e manter a cabeça escarlate, o vómito nos
  pulsos por cada noite roubada; nem um minuto para a glória da pele.
  Despertar de lado: olho por olho: conservar a família em respeito, a
  esperança à distância de todas as fomes, o corno de cada dia nos
  intestinos.
  Aos dezoito anos, aos vinte e oito, a vida posta à prova da raiva e do
  amor,
  os olhos postos à prova do nojo. Entrar de costas no festival das letras,
  abrir passagens a golpes de fígado para a saída do escarro. Se não
  temos saúde bastante sejamos pelo menos doentes exemplares.
               Fora do meu reino toda a pobreza, toda a ascese que gane aos
  artelhos dos que rangem os dentes; no meu reino apenas palavras
  provisórias, ódio breve e escarlate. Nem um gesto de paciência: o sonho
  ao nível de todos os perigos. Pelo meu relógio são horas de matar, de
  chamar o amor para a mesa dos sanguinários.
               Dente por dente: a boca no coração do sangue: escolher a tempo a nossa
  morte e amá-la.




antónio josé forte
40 noites de insónia de fogo de dentes numa girândola
implacável e outros poemas
lisboa
1958



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