27 dezembro 2011

les murray / um arco-íris completamente vulgar




Ouve-se dizer em Repins,
o boato segue por Lorenzinis,
em Tattersalls, homens levantam os olhos de folhas de números,
os escrevinhadores da Bolsa esquecem o giz que têm na mão
e homens com pão nos bolsos saem do Clube Grego:
Há um tipo que chora em Martin Place. Não o conseguem deter.

O tráfico em George Street está engarrafado meio quilómetro,
sem se mover. As multidões conversam nervosamente
e mais multidões chegam a correr. Muitos atropelam-se em ruas
           laterais
que minutos antes eram atarefadas ruas principais, apontando:
Há um tipo que chora lá em baixo. Ninguém o consegue deter.

O homem que rodeamos, o homem de que ninguém se aproxima
chora simplesmente e nem sequer o esconde, não chora
como uma criança, nem como o vento, chora como um homem
e não o proclama, nem bate no peito, nem sequer
soluça muito alto – mas a dignidade do seu choro

mantém-nos afastados do seu espaço, do vazio que constrói à sua volta
na luz do meio-dia, no seu pentagrama de dor
e os funcionários na multidão que o tentaram agarrar
olham para ele, abismados, com o espírito
desejando lágrimas como crianças um arco-íris.

Alguns dirão, anos depois, que havia uma auréola
ou um campo de força à sua volta. Não há nada disso.
Alguns dirão que se sentiam chocados e o teriam detido,
mas esses não estiveram lá. A virilidade mais bravia,
a reserva mais áspera, a inteligência mais astuta ali presente

treme em silêncio, e arde com juízos
inesperados de paz. No ajuntamento alguns gritam,
que se julgavam felizes. Só as crianças mais pequenas
e os que parecem ter saído do Paraíso se acercam dele
e sentam-se aos seus pés, junto de cães e pombos sujos de pó.

Ridículo, diz um homem perto de mim, e tapa
a boca com as mãos como se tivesse pronunciado um vómito ─
e vejo uma mulher, brilhando, estender a mão
e tremer quando recebe a dívida do choro;
todos quantos a seguem também a recebem
e muitos choram só por terem aceite e muitos mais
recusam-se a chorar com medo de toada a aceitação.,
mas o homem que chora, como a terra, nada exige,
o homem que chora ignora-os, e o que na
sua face contorcida e no seu corpo vulgar ele exclama

não são palavras, mas dor, não são mensagens, mas pena,
duras como a terra, simples, existentes como o mar.
e quando pára, caminha placidamente por entre nós
limpando a cara com a dignidade de um
homem que chorou e agora acabou de chorar.

Evitando crentes, ele apressa-se pela Pitt Street.







les murray
trad. josé alberto oliveira
rosa do mundo
2001 poemas para o futuro
assírio & alvim
2001






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