Se eu fosse uma coisa, amaria ver-me
como comboio-correio. Longo e nocturno,
devassando o interior, contemplado
de fugida por pinhais e estrelas,
lobos, penhascos e embruxados.
Bom parar em todas as estações.
Cabecear de sono, beber vinho, ser
Banco de campónios, crianças, contrabandistas.
Aldeã que reza, desdentada e solícita.
Em cada carruagem existe sempre
um voluntário palhaço que golfa
sua alegria: coroá-lo com o clarim
do galo. E deixar em todos os lugares
as ânforas de barro das paixões
(quase sempre mal-avindas, fortuitas,
Temerosas): colaborar, encher
a inocente mala do carteiro.
antónio osório
casa das sementes, poesia
escolhida
décima aurora (1982)
assírio & alvim
2006