Vigio estas ruínas, roubador de secretas implosões
que tecem os
segredos da noite. De longe observo
os que dulcificam e pervertem este rumor nocturno, a visão
incendiária de um lenço suspenso sobre miríades de insectos
agonizantes. Esses
animais empolgam-me, são
insondáveis ruídos dentro da minha boca, o meu sangue perscruta-os,
excede-os na
lucidez da maldição, desejo-lhes
o visco que soltam
na irrealidade da passagem, amo-os
como se fossem voláteis transparências de um universo voraz
que secretamente reúne a profetização e as vítimas
em torno do abismo.
Tudo é sagrado,
a destroçante imagem desses corpos que o esquecimento ilude,
a fragrância de
todas as substâncias lancinantes
que pulsam sob a terra, esse imperceptível murmúrio de escuridão
que nas têmporas
se esconde, consumindo
a imóvel opacidade que percorre a loucura. Com as mãos
escavo este lugar
sagrado de claridade e torpor,
o deserto
imperturbável das órbitas silenciosas
destes mortos, a película de impaciência e luz que os nossos
dedos tocam,
devastadoramente.
amadeu baptista
hífen 6 fevereiro, 1991
cadernos semestrais de poesia
heresias
1991