País de cegos, onde não falta nem a mansidão nem a quietude – nem a
resignação. Onde os zarolhos que há querem ser reis – a fim de, segundo dizem,
dar razão a um velho provérbio. Tudo, na realidade, em ordem a mandar e até,
quando calha, bater no ceguinho. São, pois, menos simpáticos os zarolhos – além
do mais, mexem-se muito. País algo cinzento, cumpridor dos provérbios e das
normas. Para nós, grande multidão dos cegos, uma consolação porém: nunca os
zarolhos, naturais detentores do poder, hão-de conhecer os supremos prazeres do
país em que vivem.
Prazeres de gente pobre, prazeres simples, comezinhos – mas supremos:
– o afago de uma mão, de uma
voz, de um olhar…
– o contacto da mão de um cego
que nos ajuda a atravessar a rua…
rui caeiro
sobre a nossa morte bem muito obrigado
livro de afectos
maldoror
2019