Em pleno campo,
Avanço por entre muralhas de chuva
Que me fustiga o rosto e me ensopa os
joelhos,
Mas sou o homem que quero ser.
A charneca firme acaba e surge o
pântano.
Estamos agora em guerra: quem ganhar
Não conseguirá submeter a minha vontade
humana
À natureza embora seja de lá que ela
veio.
As rodas afundam-se; o ruído nítido
torna-se confuso:
Porém, curvado sobre o volante,
Lanço esta minha máquina que escolhi
Contra a possibilidade de ser um corpo
ainda.
A roda da frente penetra com firmeza
entre
Dois arbustos de um verde esmaltado e
insensível
– Gigantesco equilíbrio no contorno
De cada folha lisa. Redemoinhos negros
sobem
Em redor do meu pé que, comprimindo com
força,
Acelera o sono que espera.
Costumava viver no ruído e desconhecia
A existência da realidade calma ou
rastejante,
Mas agora as águas paradas, coladas ao
meu rosto
Sob o peso da morte, retiram-me o
alento;
Embora angustiado julgo que posso
Mover-me através da matéria. Encontro o
meu caminho,
Onde a morte e a vida se conjugam,
Através da negra terra que não é minha,
Povoada de fragmentos, embotada,
informe,
Enquanto pelos meus ouvidos, enxameados
de ruído,
As extremidades brancas das plantas do
pântano,
Lentas, sem paciência, espalham-se à
vontade
Invulneráveis e flexíveis, e se
estendem
Numa posse serena em direcção ao seu
fim.
Embora os cogumelos quando eu apodrecer
Me recubram os ossos lívidos com
lívidos nós
Até enfunarem os meus fatos, eles
fingem
Que este espantalho é de novo um homem,
E é como servos que persistem
Ou, sem qualquer vontade, se contorcem;
E o hábito, pelos homens laboriosamente
Adquirido, não os deixa cansados.
Essa vegetação converte célula após
célula
A minha única riqueza em lixo:
Tudo o que obtêm, obtêm-no por acaso.
E multiplicam-se na ignorância.
thom gunn
a destruição do nada e outros poemas
trad. maria de lurdes guimarães
relógio d´água
1993