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29 julho 2018

valerio magrelli / e se estas voltas de fechadura



*

E se estas voltas de fechadura
não acabassem nunca?
E se tivesse de ficar toda a vida
aqui fora, a dar voltas à chave?
Faço a cópia das minhas chaves
faço a cópia das minhas cópias
o que gasto para as multiplicar
serve para tirar a cada uma o seu valor
o meu Valerio. No perfil dos versos
reproduzo o recorte
dentado das chaves.

*



valerio magrelli
a espinha do p
trad. rosa alice branco
poetas em mateus
quetzal
1993






30 dezembro 2014

valerio magrelli / comboio-cometa




" Assumia o autor, como fundamento da demanda, que no
seguimento da passagem de um comboio de mercadorias
deflagrara um incêndio, o qual, da via férrea, se propagara
à confinante propriedade desse autor, destruindo as culturas
existentes. Acrescentava que o incêndio fora provocado
por um vagão de comboio, de cujos travões, bloquea
dos apesar do movimento da composição, se tinham libertado
feixes de faúlhas. Do anexo relatório da oficina deduz-se
que, por causa do bloqueio do travão por obstrução
dos tubos devida a impurezas do óleo, as pastilhas e as
jantes do rodado ficaram fortemente incandescidas pelo
sobreaquecimento, e o chão do compartimento queimado."


Comboio-cometa
fósforo embruxado, ferro
riscado contra os carris,
travão puxado e atrito,
comboio-travão que dilacera
a guincha na noite.
Avançava com as rodas bloqueadas
as vértebras contraídas
as palavras-hífen
e do meu esforço saía
um calor e uma cor
e um cheiro a carne chamuscada:
faíscas, uma chuva de línguas
pedrenais na noite.
Ah vagões travados, ah palavras-hífen
eu fricativo, retrato de atrito.




valerio magrelli
a espinha do p
trad. rosa alice branco
poetas em mateus
quetzal
1993







01 junho 2014

valerio magrelli / eu sou aquilo que falta



Eu sou aquilo que falta
ao mundo em que vivo,
aquele que entre todos
jamais encontrarei.
Rodando sobre mim mesmo agora coincido
com o que me foi tirado.
Eu sou o meu eclipse
a revelia, o desconsolo
o objecto geométrico
a que para sempre deverei renunciar.



valerio magrelli
a espinha do p
trad. rosa alice branco
poetas em mateus
quetzal
1993




21 novembro 2009

valerio magrelli / imaginei muitas vezes os olhares












Imaginei muitas vezes que os olhares
sobrevivem ao acto de ver
como se fossem hastes,
trajectos medidos, lanças
numa batalha.
Penso então que dentro de uma sala
há pouco abandonada
esses traços devem ficar
por algum tempo suspensos e cruzados
no equilíbrio do seu desenho
intactos e sobrepostos como os paus
do mikado.






valerio magrelli
a espinha do p
trad. rosa alice branco
poetas em mateus
quetzal
1993